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7 de out. de 2010

Os Homens que Não Amavam as Mulheres


Quando o diretor Stanley Kubrick levou aos cinemas a sua versão da claustrofóbica obra de Stephen King, “O Iluminado”, a reação de desprezo da crítica especializada, que avaliou o seu trabalho como uma reinvenção infiel ao material de origem, dentre outras atribuições negativas, só aumentou a curiosidade do público e o filme se tornou um instantâneo sucesso de bilheteria na época. É praticamente impossível traçar um parâmetro sobre a aprovação dos espectadores que saíam das sessões, mas todos sabem da insatisfação que o próprio criador da história fez questão de tornar pública. O descontentamento de Stephen King resultou, quase 20 anos depois do lançamento de “O Iluminado”, em uma minissérie de três episódios, dessa vez, seguindo à risca página por página do livro. Essa versão não ficou necessariamente ruim, mas comparada aos inspirados contornos e elaborados simbolismos semi-ocultos da releitura de Kubrick, a diferença é do tamanho do Hotel Overlook. E não precisa ser um gênio para saber que é justamente a versão ousada e original de Kubrick que se imortalizou na história do cinema como um clássico do terror moderno. “O Iluminado” transcende o status de adaptação literária – assim como outro clássico de sua autoria, “Laranja Mecânica” – e se consagra um filme tipicamente kubrickiano, com as evidentes marcas já patenteadas nos filmes anteriores do diretor.

Ao adaptar um livro para o cinema, os envolvidos devem se atentar para as diferentes linguagens dos seus veículos, e isso pode implicar, naturalmente, em adicionar certos conteúdos e omitir outros para que a narrativa cinematográfica tenha fluidez e seja coerente. Sem contar que o diretor deve transparecer autonomia e ser o carro-chefe do projeto, em vez de ser dominado pelo material original. Não defendo criar uma história totalmente diferente e paralela, mas adicionar elementos criativos e inovadores, a fim de enriquecer a trama do filme. O grande problema da adaptação de “Os Homens que Não Amavam as Mulheres”, baseado no primeiro capítulo da trilogia “Millennium”, escrita pelo sueco Stieg Larsson, é que aparentemente não foram feitas concessões no roteiro. Em vez de dar uma garimpada na obra e incluir apenas os momentos essenciais na versão cinematográfica, os roteiristas tinham a pretensão de, basicamente, transferir todos os desdobramentos presentes no livro para o filme. O resultado contabiliza 152 minutos, que inclui um primeiro ato promissor, um desenvolvimento pouco empolgante e um desfecho simplista e relativamente frustrante.

Roteirizado a quatro mãos, “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” tem início com o afastamento do jornalista investigativo Mikael Blomkvist (Nyqvist) da revista Millennium, onde trabalhava há anos. O motivo da demissão é referente a acusações de difamação e calúnia por parte de um homem influente da cidade de Estocolmo, capital da Suécia. Sem emprego, Blomkvist é acionado por um milionário que amarga por anos o sumiço misterioso da sobrinha, na época com 14 anos. Determinado a descobrir o paradeiro da moça desaparecida, o jornalista mergulha de cabeça em uma investigação particular, ao lado da enigmática e antissocial detetive Lisbeth Salander (Rapace).

Remetendo a uma versão mais comercial de “Twin Peaks”, “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” possui todos os elementos de um thriller: um caso de possível assassinato, detetives astutos que adentram lugares pouco explorados e começam a conviver com personagens misteriosos e ambíguos, que aparecem em cena com a palavra “suspeito” estampada na testa, além das várias pistas que são oferecidas no decorrer do filme para que o espectador desconfie de certos personagens e não de outros. Por mais contraditório que possa parecer, a adaptação para o cinema do best-seller peca exatamente por se manter excessivamente fiel ao livro, e o diretor falha por tentar materializar em celulóide diversas passagens da obra, que na leitura funcionam, mas se revelam deslocadas na versão para o cinema. Um dos exemplos que podem ser citado é o rápido affair entre os personagens centrais. Se no livro, Blomkvist e Lisbeth, antes de se relacionarem sexualmente têm seus anseios e fragilidades expostos pelo narrador e usam o sexo para se sentirem “humanos”; no filme, a impressão que fica é que eles transam somente para saciar o prazer passageiro. Nesse caso, uma reestruturação no relacionamento desses personagens seria urgente para que tanto não criasse uma visão deturpada dos protagonistas como para não obstruir o ritmo do filme com cenas pouco relevantes.




Isso não quer dizer que estamos diante de um filme ruim, apenas é notável que o ótimo material adaptado não fora aproveitado com precisão, optando pela convencionalidade em vez do arrojo. O convidativo primeiro ato se resume na apresentação dos personagens e na preparação do espectador para uma investigação profunda e arriscada. Mas só fica na promessa, pois “Os Homens que Amavam as Mulheres” frustra as expectativas ao apresentar um desenvolvimento meramente distante, com poucas cenas impactantes e nenhuma delas memorável – isso sem contar o desfecho preguiçoso e decepcionante.

Entretanto, o filme também reserva as suas qualidades, como a trilha sonora bem encaixada e, principalmente, a química entre os atores. Michael Nyqvist acerta no tom ao encarar o papel do jornalista sem heroísmos e mostrando-se tão humano quanto qualquer outro cidadão comum – algo que me remete ao Ewan McGregor do recente “O Escritor Fantasma”. O bom desempenho de Nyqvist já até lhe rendeu um convite para ser o próximo vilão da franquia 007 – o que não deixa de ser curioso, pois levantando os intérpretes anteriores dos vilões de James Bond, também são atores estrangeiros e talentosos (Mads Mikkelsen e Mathieu Amalric), e nenhum deles seguiu carreira em Hollywood. O grande destaque, claro, é a atriz estreante Noomi Rapace, que dá vida a um protótipo de Marylin Manson com saias, o que não deixa de ser interessante acompanharmos uma “heroína” que foge dos padrões e carrega consigo um visual tão exótico – pra não dizer outra coisa. Rapace despertou o interesse do diretor Guy Ritchie e vai integrar o elenco da sequência de “Sherlock Holmes”, cujas filmagens já estão em andamento.

E não são apenas os protagonistas que atravessaram o Atlântico. Já foi anunciado que “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” vai ganhar um remake hollywoodiano sob o comando do sempre eficiente David Fincher, com previsão de estreia para 2011. Se o filme sueco já tem por natureza uma estrutura de cinema norte-americano comercial, esperemos que, ao menos, Fincher faça um trabalho autoral e com identidade, coisa que o diretor Niels Arden Oplev parece que fez questão de esconder.


NOTA: 6,5


OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES (Män Som Hatar Kvinnor) Suécia, 2009
Diretor: Niels Arden Oplev
Roteiro: Nikolaj Arcel e Rasmus Heisterberg
Elenco: Michael Nyqvist, Noomi Rapace, Sven-Bertil Taube e Peter Andersson

9 comentários:

chuck large disse...

Ótimo texto, Elton. E cara, que bom que voltaste ... Deu um sinal de vida!

Eu ainda não vi este, tenho uma amiga que me recomendeu até para eu dar uma opinião para ela, ela disse é que é muito violento e que não sabe o que pensar sobre o filme ...

Quando isso acontece, quer dizer que algum erro o filme cometeu, e pelo visto cometeu vários...

Espero ver em breve para dar o meu 'parecer' ...
abs.

pseudo-autor disse...

Pra mim, foi uma das grandes surpresas do ano. Espero que Fincher seja honesto com o livro do Larssen e produza um remake de nível!

Cultura na web:
http://culturaexmachina.blogspot.com

cleber eldridge disse...

Foi um filme que dividiu as pessoas, alguns gostaram outros não, ainda não tive a chance de conferir!

Amanda Aouad disse...

Boa análise, Elton, mas não sei se concordo que a fidelidade ao livro tenha sido o problema, até porque eles cortaram muito e deram outra função a Lisbeth. Acho que falta mesmo é alma a história. Da forma como Niels Arden Oplev fez, o filme não convence, nem mesmo como suspense. Estou curiosa para o resultado de David Fincher.

abraços

Kamila disse...

Elton, o filme parece ser bem diferente, mas não sei se o assistiria. Quem sabe ao remake hollywoodiano, com David Fincher, um dos meus diretores favoritos.

Mayara Bastos disse...

A série de livros parece boa, mas tentarei assistir antes da versão do David Fincher estrear.

Beijos! ;)

Rodrigo Mendes disse...

Oi..tbm to de volta nos comentários. Rs!

Cara, fazer adaptações pode ser um tiro no escuro, mesmo porque a obra ja existe em outra mídia e transportá-la para outro meio é muito arriscado. Mas se tratando de Kubrick,nme vou comentar. Rs!

Quanto ao O's Homens Que Não Amavam As Mulheres' de Oplev ainda não conferi. Gostei das coisas que levantou sobre o filme.

Abs.
Rodrigo

Raisa Marcondes disse...

Caraca Elton! Como vc escreve! hsuahsuahsuahs tanto que eu estou com sono e nem li tudo, mas compreendi o que vc disse. Minha opinião: Roteiros escritos a mais de duas mãos nunca me convenceram. Tem que haver uma sintonia muito forte entre os roteiristas pra sair bem. Pelo menos!
Sobre "o Iluminado". Sei que o autor, imaginador ou sei lá o que da história foi king. Mas, pra mim, ele não é King de nada! Muito menos do terror. XD Como alguns dizem por aí. Então eu não dou muito crédito ao que ele diz. Se ele não gostou da versão do Stanley (foi ele mesmo? ou falo bobagem?) Que se Dane! hsuahsuahsua
Coloquei uma postagem no blog sobre o Dicaprio. Se quiser ler, vai lá. XD

Elton Telles disse...

Olá, Alan!
valeu pela visita e pelo seu comentário.

Olha, eu não achei tããão violento o filme, comparado aos tantos outros que temos disponíveis no mercado, mas realmente tem algumas cenas fortes, principalmente para as mulheres. Mas ainda é um filme que vale a pena assistir, mas sem muito compromisso.


Pseudo: eu espero que Fincher faça um filme muito melhor pq o material pode render mais do que esse exemplar, hein.


Cleber: dividiu bastante a crítica e eu fiquei em cima do muro! =) É um filme mediano, só ok.


Amanda, somos 2 curiosos para a versão de Fincher. Na verdade, condensar TODO o livro em um filme de 120 minutos é mesmo difícil. Talvez não a fidelidade total, mas a pretensão de tentar encaixar grande parte da obra literária dentro do filme, sendo que este tem outra linguagem, deixou o filme falho e episódico.


Kamila, o filme apenas aparenta ser diferente, mas é tão lugar comum como os suspenses norte-americanos que são lançados aos baldes no cinema. Um diferente de investigaçao desse ano que vale mesmo a pena é "O Escritor Fantasma" =)


Mayara: tomara que Fincher faça um filme melhor. Assista e depois compara-os. Quando estrear, claro rs.


Rodrigo: De fato, Rodrigo, pode ser um tiro no escuro, mas Kubrick comandou bem o projeto. No caso de "Os Homens...", aí ficou só na promessa, infelizmente.


Olá Raisa,
Gosto do Stephen King, não morro de amor pelo autor, mas acho ele competente e talz, tem ótimos livros. E quanto a roteiro escrito a 4 mãos, não tiro sua razão, é mesmo coerente sua colocação de que tem que haver uma sintonia grande entre os profissionais, mas também não se pode generalizar ;D


ABRAÇOS A TODOS!