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8 de jul. de 2010

Zumbilândia


Em meio ao recente bombardeio de blockbusters desmiolados, daqueles em que os profissionais do departamento de efeitos visuais exercem mais suas funções que os roteiristas, é gratificante assistir a um filme despretensioso e com apelo comercial que se preocupa, ao menos, em (tentar) satisfazer o espectador dosando diversão e qualidade – palavra desconhecida das megaproduções atuais. Para quem espera levar sustos ao adentrar o apocalíptico universo de “Zumbilândia”, as chances de sentir o gosto amargo da decepção são grandes, já que o filme do estreante Ruben Fleischer é uma comédia declarada, e devo frisar, das mais divertidas e originais dos últimos anos. Em 1968, o clássico “A Noite dos Mortos-vivos” popularizou o “zombie movie”, que viria a se tornar um subgênero bem sucedido do terror. O filme introduziu no cinema a classe de zumbis agressivos e sedentos por sangue, pois, até então, as aparições dessas criaturas (estúpidas, mas não violentas) eram mais exploradas em comédias. Hoje, no entanto, os zumbis e suas labirintites crônicas povoam tanto filmes de horror como os denominados “terrir” (fusão de terror com risadas), como é o caso do excelente “Todo Mundo Quase Morto” e desse “Zumbilândia”, que mesmo recheado de boas gags, é um festival de tripas voando e cabeças estouradas. Com certeza, George Romero deve estar se divertindo em algum lugar.


Concebido pelas mentes férteis dos roteiristas Rhett Reese e Paul Wernick, o filme já no início dimensiona a situação alarmante que se encontra o mundo: destruído por pessoas que foram contaminadas por um vírus violento e se tornaram zumbis carnívoros. Para se manter vivo entre eles, o jovem inseguro Columbus (Eisenberg) é fiel a um conjunto de 31 regras que criara (não usar o banheiro, atirar sempre duas vezes, usar sempre o cinto de segurança...) para enfrentar os mortos-vivos e tentar sobreviver nos Estados Unidos da Zumbilândia, como o próprio define o que a maior potência mundial se tornou. O rapaz pretende atravessar o país para tentar salvar os pais que não visitava faz tempo, e no meio do caminho conhece seus novos companheiros Tallahassee (Harrelson), Wichita (Stone) e Little Rock (Breslin). Munidos de armas de fogo e quaisquer instrumentos que possam estourar a cabeça dos zumbis antissociais, o quarteto embarca em uma viagem sem rumo para garantir o básico: a sobrevivência em meio ao caos.


Logo na hilária sequência introdutória em que apresenta pessoas comuns sendo atacadas pelas criaturas canibais, o espectador já sintoniza o tom descompromissado e escatológico que o filme vai se apropriar para contar sua saga. O universo catastrófico que apenas reforça o individualismo entre os (ainda) humanos é explorado de maneira consistente durante a projeção – e a riqueza do trabalho de “desconstruir” os cenários que compõem o mundo de Zumbilândia merece créditos por reforçar os sintomas de um ambiente abandonado e consumido pela insegurança. O diretor novato Ruben Fleischer aprendeu bem com Sam Raimi a melhor maneira de extrair humor das situações mais grotescas e demonstra resquícios tarantinescos de como tornar cômicas as cenas mais violentas e absurdas, cujo timing é favorecido pelo descaso dos personagens, como se os métodos de defesa agressivos já fossem um hábito comum para eles. Assim, é com o sorriso estampado na cara que acompanhamos a tampa da descarga descer sobre a testa de uma zumbi líder de torcida ou a cabeça de um palhaço assassino sendo estourada por uma marreta gigante. Sem contar que é perceptível o cuidado de construção das cenas, como o travelling que mostra Columbus fugindo de zumbis em um posto de gasolina ou o recurso utilizado por Fleischer para indicar a passagem de tempo no interior de um automóvel, que, além de ser divertido, permite o espectador se aproximar dos ótimos quatro personagens principais.



Um deles é interpretado pelo promissor Jesse Eisenberg, que já elogiei seu timing cômico natural quando escrevi sobre o excelente “Férias Frustradas de Verão”. Sem apelar para os excessos e muletas de caracterização, o ator é econômico e convincente ao externalizar as fobias e covardia de seu personagem quando se depara com um morto-vivo faminto. No entanto, Eisenberg parece estar condicionado a direcionar sua carreira interpretando o mesmo papel do jovem nerd e virgem em todos os filmes que participa, como se fosse uma versão melhorada de Michael Cera. Mesmo que já tenha demonstrado talento em outras produções como “A Lula e a Baleia”, é de se esperar que o ator não desperdice a carreira com os mesmos personagens. Quanto às atrizes, a bela Emma Stone aproveita suas cenas para não posar apenas como um rosto bonito, ao passo que Abigail Breslin se despe da inocência da Pequena Miss Sunshine de outrora e abraça uma personagem infantil e ao mesmo tempo agressiva – aliás, é hilário vê-la carregando uma espingarda e atirando contra os inimigos. Beneficiado pelo personagem mais “real” do filme, o grande destaque do elenco é Woody Harrelson, que interpreta um caipira obcecado por twinkies, que nutre imenso prazer em surrar zumbis até a morte em vingança de seu passado trágico.


Um dos inúmeros fatores que torna “Zumbilândia” um projeto irresistível é a convicção de não se levar a sério demais. Ainda que seja relativamente doloroso compreender o paradeiro que cada um dos personagens se encontra, o filme não aprofunda os dramas de cada um, e sim, opta pela melhor alternativa de simplesmente citar suas preocupações e interesses. Dessa forma, o espectador se sente mais familiarizado com os personagens e também essa opção dos roteiristas evita as chances de obstruir o andamento do filme. Investindo mais na comédia do que em cenas assustadoras, a dupla de escritores abusa da criatividade e norteiam a história para situações extremamente divertidas. O grande destaque de todo o filme é o momento em que o quarteto parte para Hollywood com a intenção de conferir a versão zumbi dos astros e estrelas. O sorteado é o ator Bill Murray, que faz uma pequena participação no filme, resultando em uma das passagens mais loucas de todo o projeto – e a imprevisibilidade aliado ao absurdo da conclusão da cena é sensacional.


Ousado, irreverente, divertido, criativo e ainda contando com uma trilha sonora excelente, que inclui Metallica, Velvet Underground e The Racounters, ouso em dizer que “Zumbilândia” é um forte candidato a se tornar clássico num futuro próximo. Mas, se não chegar a tanto, pelo menos é facilmente um dos melhores filmes da safra 2010 (lançados no Brasil) até agora.



NOTA: 9,5



ZUMBILÂNDIA (Zombieland) EUA, 2009

Direção: Ruben Fleischer

Roteiro: Rhett Reese e Paul Wernick

Elenco: Jesse Eisenberg, Woody Harrelson, Emma Stone, Abigail Breslin e Bill Murray

10 comentários:

Alan Raspante disse...

Ótima resenha e me convenceu a conferir este filme logo, gosto de filmes de zumbis e já faz um tempo que não vejo uma boa comédia, rs
Até mais! xD

Karen Faccin disse...

Caros leitores do pós-première, este pobre garoto autor deste blog teve uma semana de cão. Em vez de desfrutar de uma boa noite de sono após uma semana de provas estressantes, passou a madrugada (como um zumbi) tecendo suas impressões sobre este filme. Mesmo insistindo para que ele deixe um pouco essa obssão por filmes e textos, tenho que confessar que me senti feliz em ver que ele não deu ouvidos à minha recomendação "vá descansar... faça essa resenha outro dia".

O texto está ótimo, amor!
Me orgulho de ter um namorado tão talentoso, mas insisto, muito teimoso também! rs

Beeeeeijos! <3

Reinaldo Glioche disse...

Esse filme eu ainda não vi, mas dá para sentir a verve criativa da fita no teu texto, para lá de bem contextualizado. Tb gosto e vejo incrível potencial no Jesse Eisemberg e entendo a comparação com Michael Cera. Mas acho que os dois expoentes do cinema nerd, embora em filmes similares, praticam um humor diferente. Vamos poder observar isso com Scott Pelegrin este ano.

Não podia deixar de comentar o apoio da girlfriend aqui né!? Fica o conselho, para de escrever e dá atenção a ela... rsrs

Abração!

Bruno Gerhard disse...

Concordo plenamente com o que foi dito e com a nota...
Daria até um 9,7!
O filme é bom de mais!
Confesso que quando baixei achei que seria mais um daqueles filmes com uma história ruim, efeitos toscos...mas me surpreendi!
Parabéns para os produtores e para o post!
Abraço!

Vitor Silos disse...

Ainda não vi esse filme, mesmo gostando muito de filme de zumbis...Me parece ser muito bom e engraçado, a história é bem interessante.

Cristiano Contreiras disse...

Um belo trash filme artístico! rs

Ah, tua resenha realmente focou toda a essência do filme! Eu confesso que fui ver, com amigos, meio descrente...na época, não tinha lido nada...e gostei do Harrelson no filme..Breslin, como sempre, eficiente...e Stone é uma graça! rs

Mas, Murray está hilário!

abraço!

cleber eldridge disse...

Tom, tudo bom? Curto, idiota e divertidíssimo. Exatamente como tinha que ser. Só Woody Harrelson e Bill Murray já valem o filme, ainda que seja um filme mediano.

leo disse...

Uma das melhores comédias do ano facilmente.
é um filme bem enganador (como você mesmo falou) daqueles que nos faz ir no cinema sem o mínimo compromisso e ao chegar lá nos deparamos com uma puta filme com conteúdo.
Woody Harrelson IMPAGÁVEL e Bill Murray incrível em 2 simples cenas.

eficiente no sentido de entreter e no sentido da mensagem que pretende passar.

abraços!

Elton Telles disse...

Ae Alan, assista o filme e depois me fale o que achou. "Zumbilândia" é engraçadíssimo e muitos não o levam "a sério" como bem faz o filme, mas eu acho que é muito mais do que simples passatempo. É filmaço mesmo! =D


Amor, agradeço a preocupação. Você sabe que eu acho dormir a melhor coisa do mundo - embora "comer" esteja na cola - mas o blog não pode ficar parado. Você sabe disso^^
e obrigado pelo comentário. Vc sabe a propaganda q fiz do filme pra vc, sõ lhe resta agora assistir. E se me chamar, eu topo ;)


Hey Reinaldo! Valeu, cara. Então, embora interpretem praticamente o mesmo personagem, o humor de Cera e Eisenberg são mesmo diferentes como você apontou, mas espero que nenhum dos 2 baseiam seu trabalho apenas em um tipo de personagem. Vale lembrar que Eisenberg também vem aí com o novo Fincher, "The Social Network" o/

Hahahaha, eu dou atenção a ela! Eu não dou atenção pra minha cama xD


Dae Bruno! Valeu pela visita, velho. Eu esperava um filme trash de "Zumbilândia", um filme que eu só fosse dar algumas risadas e me esquecer completamente, mas a minha surpresa foi maior! Filmaço!


Vitor: e é. É imperdível, ainda mais pra vc que gosta de zumbis.


Cristiano: FOMOS* descrentes, eu não esperava absolutamente nada de "Zumbilândia". E o elenco está mesmo em total sintonia. Bill Murray em um dos melhores cameos da história rs.


Cleber: exatamente. É um dos melhores filmes idiotas que se tem nota. o/


Leo: perfeito! Onde assino?


ABS!

Cristiane Costa disse...

Oi Elton,

Ótima resenha! Eu também não esperava nada de Zumbilândia, mas gostei muito do filme por entregar algo naturalmente cômico, como vc bem disse, sem ser sério demais; por isso ele foi bem sucedido, fez o melhor "comendo pelas bordas" e sem deixar a eficiência de lado.

abs!