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28 de jun. de 2010

O Mensageiro


Se nos submetermos a contabilizar a quantidade de filmes, só da década passada, ambientados em cenários de guerras verídicas ou que lidam com o assunto, certamente levaria um bom tempo para enumerar todos e chegar a um resultado final. Ainda mais trabalhoso seria separar esse emaranhado de produções de acordo com o combate que é relatado pela história, já que o acervo de guerras e confrontos que a História dispõe é imenso e, desta forma, os roteiristas têm maior liberdade para desenvolverem suas tramas baseadas no conflito que julgarem mais conveniente. Não restam dúvidas, no entanto, de que a 2ª Guerra Mundial ainda é a batalha mais reproduzida no cinema, originando obras inesquecíveis, tais quais “O Pianista” e “Bastardos Inglórios”, mas também mediocridades aberrantes como “Olga” e “Pearl Harbor”. Em 2003, com o interesse político-econômico camuflado pela “ânsia de vingança”, o débil ex-presidente norte-americano George W. Bush, com apoio estrangeiro, financiou a invasão dos EUA no Oriente Médio, e a ambiciosa Guerra do Iraque também passou a ser mote de alguns roteiristas de cinema. Filmes como “No Vale das Sombras”, “A Volta dos Bravos”, “Zona Verde”, o oscarizado “Guerra ao Terror” e o ainda inédito no Brasil “Redacted”, de Brian De Palma, são alguns exemplos. “O Mensageiro”, lançado em novembro do ano passado, foi o último filme da década a retratar o recente episódio; e mesmo que a Guerra do Iraque seja seu ponto de partida, a mensagem que “O Mensageiro” leva ao público é abrangente a qualquer tipo de guerra física.


Após ser condecorado como herói de guerra por ter salvado alguns soldados em pleno campo de batalha, o jovem sargento Will Montgomery (Foster) retorna para a terra pátria. Ainda resta a Will três meses como servidor do Exército e a função que irá assumir logo é vista com rejeição pelo próprio. Sua nova missão é levar a triste notícia de falecimento às famílias dos soldados que estavam em território inimigo. Ao lado do exigente capitão Tony Stone (Harrelson), eles formam o “esquadrão dos anjos da morte”, como Stone define o “serviço sagrado” que prestam aos familiares das vítimas. Em uma dessas visitas, Will conhece a viúva Olivia (Morton) e, desobedecendo às regras desse serviço específico, acaba se aproximando da mulher.


A história desenvolvida pelos roteiristas Oren Moverman e Alessandro Camon é simples, sem se preocupar em apresentar surpresas ou cenas-chave que possam resumir o projeto – embora haja duas que merecem ser discutidas adiante. Apesar da simplicidade do argumento, o realismo evocado pelo roteiro bruto e sem rodeios é um dos maiores atrativos do filme e o que torna “O Mensageiro” uma experiência tão emocionalmente próxima do espectador. A indiferença de quem assiste se dissipa a cada visita que os militares fazem à casa dos familiares, cujos filhos, pais, maridos são mortos em nome dos Estados Unidos da América. O patriotismo de ninguém é mais forte do que a perda de um membro da família, e mesmo que o sentimento de conformação do trágico episódio seja “atingido” mais tarde, é a dor do desespero incontrolável que sempre aflora diante das notificações. O exemplo perfeito é a cena em que o pai interpretado por Steve Buscemi (ótimo) recebe a notícia de que o filho de 22 anos foi morto no Iraque. Empossado de ódio que precisa ser extravasado, o homem chega a agredir um dos profissionais do Exército, mas, dias depois, ao encontrar um deles caminhando pela rua, se desculpa por tal comportamento.


A propósito, na maioria das cenas em que os soldados noticiam os familiares, percebe-se que a câmera fica instável no ambiente, mas jamais perde o foco do protagonista, já que uma das sacadas do roteiro é trabalhar o psicológico de Will pouco tempo depois de voltar do Iraque e suas alterações ao ter “contato humano” novamente. Se antes, o rapaz se escondia em roupas pretas, ouvia heavy metal trancado no quarto durante a madrugada – o ritmo frenético da guerra ainda era pulsante – e não fazia questão de esconder seu descaso e antissocialidade, o convívio diário com situações dolorosas e naturalmente humanas desperta no jovem a disposição de criar laços afetivos com outrem. Esse desejo justifica a aproximação que Will faz da personagem Olivia, interpretada por Samantha Morton com economia e talento. E essas singelezas do roteiro justificam sua consagração no Festival de Berlim, de onde saiu com o prêmio de Melhor Roteiro e a lembrança no Oscar na categoria de Melhor Roteiro Original – que, curiosamente, foi derrotado por um filme o qual dialoga tematicamente, “Guerra ao Terror”.




Por falar em Oscar, o desempenho do ator Woody Harrelson como o carrancudo e divertido Tony Stone foi lembrado pelos votantes da Academia. E não é pra menos. Desperdiçado ultimamente no cinema com personagens aquém de seu talento, Harrelson está confortável e exala naturalidade ao encarnar o capitão em suas diferentes nuances, destacando-se na fabulosa cena perto do final em que discutem sentados em um sofá. Ainda assim, o grande destaque de “O Mensageiro” fica com a atuação poderosa e desconcertante do ator Ben Foster, que se revela uma grande promessa do cinema. Sua dedicação e cautela em construir o psicológico abalado de Will, bem como sua “redenção” são dignas de aplausos, já que o ator não trai a origem de seu personagem e sai ileso em evidenciar as diferenças dessa jornada introspectiva, exigente e delicada. Sem dúvidas, uma das melhores performances masculinas do ano.


O diretor estreante Oren Moverman realizou um ótimo trabalho atrás das câmeras. Utilizando a câmera de mão, trêmula e inquietante nas cenas pertinentes, ele é hábil em transformar o espectador em meros voyeurs das situações que explodem na tela, sejam elas de sofrimento ou de embaraço, como no momento em que Foster e Morton dividem um silêncio sepulcral na cozinha. E ainda, algumas cenas que, embora possam passar despercebidas, são carregadas de interpretações. Pra mim, a mais expressiva é quando os dois militares, após saírem de um bar, começam a brincar de policial e bandido no estacionamento do local. Aparentemente boba, é uma ótima demonstração de como os ex-soldados podem externalizar a adrenalina diária de quem já esteve em área de combate.


“O Mensageiro” é um filme sensível, original e eficiente, que, embora tenha pequenos deslizes, representa um ótimo estudo de personagem e introduz uma discussão atual pertinente sobre uma guerra que, dizem, está com os dias contados. Bom, ao menos, eu fico um pouco mais aliviado por saber que a decisão está nas mãos do atual vencedor do Prêmio Nobel da Paz. Mas...será que isso quer dizer alguma coisa?



NOTA: 8,5



O MENSAGEIRO (The Messenger) EUA, 2009

Direção: Oren Moverman

Roteiro: Oren Moverman e Alessandro Camon

Elenco: Ben Foster, Woody Harrelson, Samantha Morton e Steve Buscemi

7 comentários:

Reinaldo Glioche disse...

Mais uma sensacional crítica para o portfólio. Concordo completamente com sua avaliação e pontifico, ainda, que Foster tal qual o filme mereciam indicações ao Oscar.
Gostei da sutileza sobre a cena em que brincam de policial e bandido. Havia me escapado. Que bom que não fugiu ao teu olhar. Essa é a função da crítica. Ampliar o sentido do filme. Problematizá-lo e debatê-lo com o leitor. Algo que vc faz com extrema destreza Elton.
Só para constar, esse é um dos melhores filmes que estrearam em 2010 em salas brasileiras.
abs

Francisco Brito disse...

Filmezinho mediano,mt mediano...cheio de boas intenções,mas perdidíssimo no seu desenvolvimento,a despeito das belas atuações de Ben Foster,Woody Harrelson e Samantha Morton.

Kamila disse...

Este filme é simplesmente maravilhoso. Foi uma agradável surpresa para mim! Acho que ele mostra um lado diferente da guerra. Por isso, conta com um grande trunfo, além do excelente roteiro: as performances do elenco. Todos estão muito bem!

Parabéns pela crítica!!

Anônimo disse...

Elton, mesmo que proponha a mesma reflexão de sempre, Moverman merece pontos por fazê-lo sem mostrar uma única cena de batalha. Roteiro sutil e direção corajosa, como na longa cena de cozinha. Harrelson e Foster (que já merecia mais reconhecimento) estão ótimos.

Anônimo disse...

Ah, gostei muito do seu blog, vou te colocar no blogroll.

bruno knott disse...

Faz tempo que quero ver este e agora minha vontade aumentou.

Gosto muito do Foster e do Harrelson.

Elton Telles disse...

Reinaldo: poxa, valeu pelo comentário, Reinaldo! Fico feliz que tenha aprovado a resenha. Também acho que Ben Foster merecia uma indicação ao Oscar, resta-me ver 2 ainda, mas com certeza sua performance está acima dos demais que vi (Firth, Clooney e Renner, todos ótimos tbm). E também faço coro ao que tu disse: um dos melhores filmes do ano até então =)


Chico: ahhh, como assim? rs. Achei o roteiro muito bem desenvolvido, embora tenha achado um pouco forçado estabelecer um romance entre Foster e Morton e outros pequenos deslizes. Mas, em suma, eu achei um filme muito acima da média.


Kamila: Obrigado pelo comentário, Kamila. "O Mensageiro" também me agradou bastante. Filmaço em todos os sentidos. E a guerra sob um ângulo diferente, acho a crítica a esse sistema bem singela, quase imperceptível, mas está lá.


Broadcastcinefilo: fui entrar no seu blog e a conta está fechada =/
anyway, valeu pela visita! Realmente, sem mostrar nenhuma cena de batalha, Moverman merece méritos, ainda que o filme não seja "de guerra".


Bruno: um dos melhores lançados em 2010 (nos cinemas brasileiros). Foster e Harrelson em uma parceria das melhores!


ABS!