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12 de jan. de 2011

Minhas Mães e Meu Pai


É notável no cinema contemporâneo certa desvirtuação de valores quando se discute o multifacetado universo do “cinema independente”. Antes, pode-se dizer que talvez fosse o único método para um novato aspirante a cineasta expor seus dotes artísticos, mas havia também aqueles renomados auteurs radicais que reprovavam qualquer intervenção dos estúdios no conteúdo de seus filmes, e optavam pela fidelização de seus sentimentos com obras que os próprios pudessem financiar. Além das qualidades básicas que caracterizam esse tipo de expressão à margem da indústria, como o desvinculo com grandes produtoras e os baixos orçamentos, o cinema indie ganhou nova roupagem, fixando uma noção de identidade própria, que muitas vezes viabilizam filmes memoráveis, mas tantas outras acaba sendo um boicote à originalidade. Não dá pra negar que, nos últimos anos, o cinema independente parece ter criado uma cartilha com elementos peculiares (e inconvenientes) que recheiam uma parcela considerável dos filmes lançados e que, mal saíram do forno, recebem – pela mídia, principalmente – o carimbo de “alternativo” na certidão de registro. Alternativo uma ova! Isso só no nome, porque não passam de estereótipos e clichés criados dentro de casa, que destroem com qualquer conceito de “liberdade” e “independência” que tanto esses artistas tentam pregar. Infelizmente, este é o caso do supervalorizado “Minhas Mães e Meu Pai”, um indie sem autenticidade que não sai de sua área de conforto concebida por essa “mini-indústria”, que como o mercadão hollywoodiano, também reserva graves limitações.

O roteiro, escrito pela também diretora Lisa Cholodenko ao lado de Stuart Blumberg (“Show de Vizinha”), se concentra na família encabeçada pelo casal homossexual formado pela médica Nic (Bening) e a arquiteta paisagista Jules (Moore). Mães de filhos adolescentes, a relação entre os membros é agradável e a paz reina na casa da família até o momento em que o filho mais novo, Laser (Hutcherson), convence sua irmã de 18, Joni (Wasikowska), a telefonar para o Centro de Fertilidade e coletar informações sobre seu pai biológico. Então, entra na história o descontraído Paul (Ruffalo), que se torna uma visita constante na casa da família, o que desenfreia uma crise de ciúmes e desestabiliza o ambiente outrora pacífico do lar.

Talvez o aspecto mais frustrante de “Minhas Mães e Meu Pai” é perceber que o plot do filme renderia uma produção com muito potencial; entretanto a opção de Cholodenko por navegar em mares calmos, utilizando como muleta os conceitos pré-estabelecidos pelo cinema independente norte-americano, fez nascer uma das maiores decepções do ano – não que o filme seja excepcionalmente ruim, mas só ficou na promessa. Dotado de um roteiro absurdamente enferrujado, mais do que intenções artísticas, aparentemente o que a diretora – homossexual assumida – pretende com este filme é mostrar que gays têm dois olhos, uma boca, duas orelhas e um nariz. Em outras palavras, também são pessoas responsáveis, amorosas, com sentimentos e intelectualmente capazes de manter um trabalho e conciliá-lo com uma família perfeita. O tratamento convencional que recebe destoa de uma exigência mais atenta, comprometida e menos óbvia, pois “Minhas Mães e Meu Pai” é sustentado por um emaranhado de convenções que permeia na história.

O roteiro esquemático e calculado ainda tramita por decisões bem insatisfatórias, como o envolvimento entre Jules e Paul, justificado por um motivo patife, que Manoel Carlos deva ter usado em quase todos os seus folhetins da Rede Globo. Esse direcionamento errôneo compromete a trabalho de direção e desencadeia os exageros de Nic, que, em muitos momentos, enche a cara de vinho e age de forma totalmente estúpida, evidenciando não ter domínio próprio ao vomitar várias grosserias para seu cônjuge. Aqui, a razão pelas atitudes da personagem é até aceitável, mas o excesso rebaixa a figura – está mais para isso do que para um personagem sólido, tamanha a caricatura. Ademais, o filme peca pela economia das cenas mais proveitosas e ainda entrega momentos absolutamente mal desenvolvidos e vexaminosos, como aquela maldita parte que envolve um vídeo pornô, que ganha avaliação negativa no quesito sutileza.



No entanto, é muito injusto levantar apenas os defeitos do filme, visto que “Minhas Mães e Meu Pai” é caloroso, acolhedor e deixa transparecer emotividade em seus 25 minutos finais, o que cativa o espectador, mas é uma pena que essa dose de vivacidade só apareça no terceiro ato. Da mesma forma, há momentos isolados que merecem menção como a tentativa de Nic em se aproximar de Paul na ótima cena de jantar, em que ambos fazem um dueto de Joni Mitchell ou quando o rapaz e Jules convencem o espectador de que não vão mais prosseguir com as puladas de cerca para na próxima tomada cortar para os dois na cama, “arrependidos” do sexo. A maior virtude, no entanto, reside mesmo nos seu elenco homogeneamente eficaz. E considerando as limitações do roteiro para o desenvolvimento dos personagens, é até um milagre o que esses talentosos atores alcançaram com suas performances espertas e convincentes.

Sabotado por uma tradução ridícula e cafona, digno de uma comédia dos anos 90 protagonizada por Goldie Hawn, Bette Midler e Chevy Chase (?), seria muito mais coerente a distribuidora (francamente, Imagem Filmes...) usar o pé da letra do título original. Eu interpreto “As Crianças Estão Bem” como aquela resposta automática que muitos pais dão ao serem perguntados pelos filhos, mas, neste caso, seria até uma própria restrição ao personagem de Ruffalo impostas pelas protagonistas, como se se explicassem “as crianças estão bem, não precisam de uma figura paterna para completarem seus caracteres.” Com quatro nomeações no Globo de Ouro, “Minhas Mães e Meu Pai” tem tudo para se consagrar na premiação, visto a lista de indicados igualmente medíocre. Mas lá pode, contanto que essa dobradinha não se repita no Oscar, ficarei bem satisfeito.


NOTA: 5,5


MINHAS MÃES E MEU PAI (The Kids Are All Right) EUA, 2010
Direção: Lisa Cholodenko
Roteiro: Lisa Cholodenko e Stuart Blumberg
Elenco: Annette Bening, Julianne Moore, Mark Ruffalo, Mia Wasikowska e Josh Hutcherson

12 comentários:

Cristiano Contreiras disse...

Eu gosto do filme, ainda que ache supervalorizado. Concordo que a maior força nele esteja mesmo no elenco, até Mia Wasikowska se sai bem e está longe de seu fiasco "Chatice no País das Maravilhas", né mesmo? Gostei de Moore no filme tanto quanto Bening, mas não acho que devam ganhar Oscars. Ruffalo sempre é um bom ator, mas seu papel é limitado, também achei estranha a relação dele com a personagem de Moore - nem precisava inserir aquele contexto de traição e tal...

mas, é um filme que tem um tom emocional, eu gostei.

A cena do vídeo pornô é mais parte do tom de humor que o roteiro fornece, nem me incomodei tanto com aquilo...rs

Gosto também da cena que Bening canta Joni Mitchell, ainda mais por ser uma música que aprecio de um grande disco! rs

abraço!

Flavio Jn disse...

Eu achei este elenco melhor do que o de A Rede Social, que teoricamente é o favorito ao SAG. E creio piamente que Annette Bening facilmente bate Natalie Portman no Oscar - posso estar enganado - até gostaria - mas acho que será Bening a mais votada.

renatocinema disse...

obrigado pelo carinho.

o pior já foi. estar em casa, e não no hospital, é maravilhoso.

abraço

Reinaldo Glioche disse...

É o inferno das expectativas né? É, sem dúvidas um bom filme, mas o hype lhe é traíra. Não é filme para figurar em lista de melhores do ano. Um ótimo elenco, uma boa ideia (executada com pitadas de conservadorismo) e muita boa vontade da crítica estão por trás de um fenômeno (que como vc bem pontua) não se justifica em si mesmo.
Aquele abraço!

Amanda Aouad disse...

Também concordo que ele não tem muito de independente, mas uma fórmula bem conhecida. Agora, eu gosto do filme. Talvez Reinaldo tenha razão e você tenha ido assistir com tanta expectativa que acabou se frustando.

bjs

Clenio disse...

Discordo de sua rejeição ao filme, Elton. Acho que o roteiro consegue ser simpático, despretensioso e ainda assim atingir seu alvo, ou seja, como você mesmo falou, mostrar que gays são pessoas normais.
O romance extra-conjugal de Julianne Moore eu acho que foi necessário para que ficasse claro não sua insatisfação com sua vida sexual, mas sim com sua vida sentimental, às vezes deixada um pouco de lado pelo tédio matrimonial.
Enfim, eu gosto desse filme, sim, mas acho que Annete Bening não ganha o Oscar - de novo!
E torço por ele nos Golden Globes - ele é disparado o melhor da categoria (ao menos aparentemente, já que não vi os demais...)

Abraços
Clênio
www.lennysmind.blogspot.com
www.clenio-umfilmepordia.blogspot.com

Rodrigo Mendes disse...

Éu ja estava pata conferir esta fita e 'A Arvore' hoje com a Charlotte, rs!

Sempre gostei da Annete Bening (já deveria ter ganho o seu Oscar por Beleza Americana) e o elenco me chamou a atenção, claro!

Gostei da introdução de seu texto (perfeito) falando das produções independentes, um canal para verdadeiros artistas sem dinheiro e que hoje até os grandes mestres preferem fazer seu filme quase que barato ( Coppola e o seu maravilhoso TETRO), enfim tirando as questões econômicas, o filme tem que ser bom, obra de arte (Nolan anda fazendo mega produções que cativam).

Vc acha as indicações so Globo De Ouro medíocres? Eu acho que Natalie Portman ganha, mais uma vez Annette irá perder para uma atriz mais jovem...parece praga! pena, pq ela é uma excelente atriz e que deveria ser mais premiada, se é que prêmio hoje em dia signifique alguma coisa ( somente a Palma de Ouro mesmo), ainda.

Abs.
Rodrigo

bruno knott disse...

Talvez a intenção da diretora tenha sido essa mesmo que você falou, mostrar que um casal gay é igual a um casal hetero... não acho que o filme precisava ter sido mais forte, mais agressivo em seus argumentos. Concordo que ele não foge muito das fórmulas, mas ele é sim ousado em vários momentos, o que não é muito comum por aí.

Sei que me diverti bastante e até me emocionei durante todo o filme, não só no final.

Pelo menos concordamos inteiramente na questão do elenco. São de fato atores brilhantes, queria muito que Ruffalo fosse indicado ao Oscar, mas duvido que aconteça.

Abraço e belo texto!

Alan Raspante disse...

Fala Elton! Ótimo texto. Bem, estou ficando cada vez menos curioso em relação ao filme. Já sei o que me espera e tudo mais, verei apenas por Moore, atriz que gosto bastante.

No entanto, não espero grandes surpresas.

Abraços.

pseudo-autor disse...

O filme é divertido, mas o considero superestimado pela crítica. Há exemplares no gênero melhores!

Cultura na web:
http://culturaexmachina.blogspot.com

ANTONIO NAHUD disse...

Parabéns pelo blog.

www.ofalcaomaltes.blogspot.com

Elton Telles disse...

CRIS: O elenco está excelente no filme, e isso inclui a Mia Wasikowska, que errou a mão em "Alice no País das Maravilhas", como vc bem reteirou. sou um dos poucos que preferem Moore a Bening, que também está ótima, sem dúvidas; mas o show ali, pra mim, é de Mark Ruffalo, que consegue ser simpático e fazer com que os espectadores entenda suas "dores" ainda que represente uma ameaça à vida do (belo) casal protagonsita.
Como disse no texto, há cenas excelentes (elas discutindo no sofá) e outras ridículas (o vídeo pornô), mas o que me incomodo em "Minhas Mães e Meu Pai", principalmente, foi o tratamento convencional que recebeu e a história em si, que é muuuito arroz com feijão.


FLAVIO: Hummm... não descartaria Bening para se consagrar no Oscar, não, hein! SAG eu aposto nela, mas ficaria putíssimo se isso acontecesse, pois como tu já a citou, Natalie Portman entrega a atuação do ano. Sem mais!


REINALDO: não vou mentir que as expectativas estavam bem altas quanto ao filme, pois já fui tendenciado a gostar de "Minhas Maes e Meu Pai" muito antes da sessão, mas, mesmo que o filme não tenha correspondido às expectativas, não é nem satisfatório ao todo. Frustração total =(


AMANDA: reconheço que teve um pouco disso, sim, mas não foi o principal motivo por ter desgostado do filme...


CLENIO: mas é exatamente isso que vc comentou que me incomodou no filme e eu faço questão de explicitar no texto: essa convencionalidade banal de reafirmar que gays também é gente (!) absolutamente ridículo! Ok, como mensagem cidadã, é bacana, mas como cinema, esse filmeco fica devendo. E muito. Quanto ao caso de Moore e Ruffalo, a justificativa para isso é evidente, mas esse é um argumento batidíssimo - o cônjuge que trabalha muito e o "abandonado" que vai buscar conforto nos braços de outros. Há modos e modos de mostrar isso e Chodolenko preferiu mostrar da maneira mais fácil. O resultado deu nisso.
Não abomino o filme, só não acho que é merecedor de tudo isso que dizem. Também acho simpático e tem cenas que me encheu os olhos, mas o todo eu achei fraco e sem substância.


RODRIGO: Valeu, meu caro! Não, não, não achei os indicados ao Globo de Ouro medíocres, temos obras-primas naquela relação. Me referia exclusivamente à categoria Filme - Comédia/Musical, que foi composto por filmes do medíocre ao mediano. Este, inclusive hehe.
Naalie Portman até o fim! o//


Valeu, BRUNO. Também gostaria que Ruffalo fosse lembrado pela Academia porque 1) está excelente e 2) já passou da hora de ser nomeado. Concordo que o filme é ousado em algumas cenas, mas faltou tempero nesse caldo para engrossar, sabe?


Grande ALAN! Muito bom vê-lo por aqui, chapa! Não vá com as expectativas altas porque tu pode quebrar a cara (como eu hehe). No entanto, vá no aguardo de boas interpretações, porque isso o filme oferece mesmo =)


PSEUDO: vc diz divertido, eu digo "legalzinho", mas tudo bem hehe. Também acho superestimadíssimo, e têm vários outros melhores. "C.R.A.Z.Y." é um que me vem à cabeça agora. Grande filme que coloca esse no chinelo facinho.


ANTONIO: valeu, cara! Obrigado pela visita.


ABRAÇO A TODOS!!