O sul-africano Nelson Mandela é uma das figuras mais extraordinárias que constam nos registros da História. O ativista ficou mundialmente conhecido pelas manifestações de revolta e oposição aos dirigentes políticos da África do Sul, que, durante o século XX, adotaram o regime do apartheid como filosofia de convivência. Assumindo um dos cargos de liderança do CNA (Congresso Nacional Africano) no início da década de 1960, Mandela e seus cúmplices coordenaram um ato de sabotagem contra o governo, resultando na primeira prisão do líder pelas autoridades, que alegaram viagem clandestina ao exterior – onde Mandela havia recebido treinamento paramilitar. Mais tarde, ele foi sentenciado à prisão perpétua por, dentre vários motivos, falsas acusações de que comandava conspirações incentivando outras nações a invadirem seu país de origem. Considerado um símbolo do movimento antiapartheid, ele cumpriu 27 anos de isolamento trancafiado em uma cela minúscula. Quando terminou a pena, quatro anos depois, Nelson Mandela foi eleito o primeiro presidente negro da África do Sul, e a principal preocupação do novo governante era propor a reconciliação de uma nação antes devastada pelo ódio e intolerância, fazendo o possível para erradicar o fenômeno da segregação racial. Mandela utilizou vários segmentos de ordem social para garantir uma sociedade igualitária, desde questões educacionais até estratégias políticas.
Em “Invictus”, o esporte é a ferramenta usada por ‘Madiba’ – título honorário usado pelos membros do clã de Mandela – para promover a união entre os sul-africanos, não importando a pigmentação da pele. Desenvolvido por Anthony Peckham baseado no livro “Playing the Enemy”, de John Carlin, o roteiro se desenrola a partir de 1994, ano em que Nelson Mandela (Freeman) assume a presidência da África do Sul. A um ano da Copa Mundial de Rugby a ser realizada no país africano, o líder do Estado oferece total apoio ao capitão do time Springbocks, François Piennar (Damon), para que eles vençam o campeonato. Esse apoio, visto até com exagero por alguns, na verdade é uma estratégia para que o time considerado uma “projeção do apartheid” seja aceito nacionalmente, integrando os povos que antes eram inimigos mortais e que dividem o mesmo território.
Não tem como contrariar o óbvio: Clint Eastwood é uma lenda viva do cinema. Ainda em atividade aos 80 anos, o cineasta já colaborou como produtor de diversos filmes inesquecíveis, atuou em boa parte deles, dirigiu alguns e ainda atacou de compositor de trilhas sonoras em seus recentes projetos – com destaque para o simples e emocionante score de “Menina de Ouro”. No entanto, devo admitir que estou ligeiramente desapontado com os últimos trabalhos realizados pelo eterno Dirty Harry. Acredito que se Eastwood não adotasse um ritmo acelerado em lançar um filme todo o ano e se concentrasse em um projeto mais consistente, o esforço poderia resultar em uma grande obra. Desde “Menina de Ouro” eu fico desapontado e saio de cada sessão pensando comigo mesmo “Clint é muito mais capaz do que isso”. Eis que surge esse “Invictus”, um filme básico e arroz com feijão, mas o melhor desde que o diretor ganhou o Oscar pelo filme da pugilista.
Diferentemente dos geniais Woody Allen e Sidney Lumet, que se mostram mais pessimistas e sacanas à medida que envelhecem – isso pode ser comprovado pelos filmes que lançaram recentemente -, Eastwood está mais sentimental e pendendo para o lado emotivo. Não faço julgamentos, mas é inegável que o diretor tem a mão pesada para dramas, o que pode ser comprovado principalmente pelo trágico “A Troca”. Entretanto, para nossa felicidade, Eastwood é mais comedido em “Invictus”, preferindo a simplicidade na condução da trama e originando um trabalho sólido, sem grandes destaques, convencional, mas que, ao menos, não extrapola na dramaticidade – o que pode ser considerado um mérito e tanto, já que Mandela é uma figura exemplar de lutas e conquistas, uma espécie de Mahatma Gandhi da África. Se o cineasta peca muitas vezes pelos excessos, por outro lado, é incontestável que Eastwood é um exímio diretor de elenco, resultado de uma mistura de talento natural com sua experiência nas frentes das câmeras como intérprete.
O veterano Morgan Freeman – que já trabalhou com o diretor em diversas ocasiões – foi escolhido a dedo pelo próprio Nelson Mandela para interpretá-lo nas telonas. Assumindo também um dos cargos de produtor executivo da fita, Freeman é detalhista e desenvolve com naturalidade todas as características marcantes do político, desde o sotaque acentuado, passando pelas pausas entre as palavras que profere até o jeito encurvado ao andar. Um trabalho notável do ator, que transborda carisma e é presenteado por dar vida a um personagem tão fantástico. Enquanto Freeman se parece fisicamente com Mandela, as únicas semelhanças entre o ator Matt Damon e o jogador de rugby (hoje, aposentado) François Piennar é o fato de serem brancos e loiros. De qualquer forma, Damon se sai relativamente bem ao tentar conferir alguma humanidade ao craque, cujas cenas predominantes em que aparece são aquelas de treino pesado e preparação para os jogos, o que poderia lhe render uma indicação ao Oscar na categoria Melhor Peitoral Definido em vez de Melhor Ator Coadjuvante, já que seu talento como intérprete é praticamente anulado pelo roteiro que apenas o faz suar a camisa.
Embora o roteiro também tenha sua parcela de exageros, como quando um jato sobrevoa o estádio que será disputado o troféu da Copa do Mundo ou no momento em que François visita a cela em que Mandela passou 27 anos encarcerado, atingindo um alto numeral na escala da pieguice, a trama é coesa e eficiente. A minha maior preocupação seria a dosagem de melodrama no filme, mas foi satisfatória a construção do script, que é sóbrio e enriquecido pela inclusão de informações importantes sobre a vida de Mandela que não se apresentam soltas na história. Porém, ainda que o filme se concentre apenas nesse episódio isolado da administração de Mandela na África do Sul, é um pouco frustrante ver o presidente interromper uma reunião de negócios para saber o paradeiro do time que estava em campo naquele momento ou predispor de um quadro no escritório em que, religiosamente, preenche o placar dos jogos disputados pelo Springbocks, chegando ao cúmulo de dizer à sua secretária “quero agenda livre durante o jogo inteiro”. Com preocupação política praticamente nula, o roteiro de “Invictus” ignora sem peso na consciência as desgraças enfrentadas pela maioria da população africana, como a fome e as doenças, além de outros interesses sociais mais importantes do que o esporte, dando a entender que Mandela apenas se interessava por futebol e rugby, o que não é verdade.
Ao lado do emocionante (até demais) “Cartas de Iwo Jima”, “Invictus” é o melhor filme de Clint Eastwood dos últimos cinco anos, período em que dirigiu seis películas. Mesmo apresentando um bom resultado, o filme é muito aquém do talento do responsável pelos fantásticos “O Estranho sem Nome”, “Os Imperdoáveis” (sua obra-prima) e “Sobre Meninos e Lobos”. É covardia a comparação, mas em meio a esses filmes, “Invictus” sai perdendo de 10 a 0.
NOTA: 6,5
INVICTUS (Idem) EUA, 2009
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Anthony Peckham
Elenco: Morgan Freeman, Matt Damon, Adjoa Andoh e Julian Lewis Jones
9 comentários:
Belo resumo da situação do Mandela no primeiro parágrafo.
Concordo com essa nota, mas ao contrário de você considero INVICTUS o PIOR filme desde A MENINA DE OURO.
Não consegui me conectar com filme. Ele não me emocionou em nenhum momento.
De fato a atuação do Matt Damon é bem meia boca, não sei pq ele foi indicado ao Oscar.
Abs!
Depois de 'Menina de Ouro' o diretor decaiu muito, muito mesmo não sou fã de 'Cartaz de Iwo Jima' mas, reconheço seu valor. 'A Troca' foi uma catastrofe é o seu pior filme ... (me desculpa se discorda)a importância histórica deste filme é muito maior do que sua realização cinematográfica, confusa e apressada, um filme muito irregular.
Olá Elton, você abordou um ótimo panorama do Mandela no seu texto.
O Morgan Freeman é ideal para interpretar Mandela, mas nao gostei muito da premissa do filme.
Reconheço as qualidades do Clint Eastwood, mas ainda não sei classificar este filme. Preciso revê-lo, e talvez com mais entusiasmo e noção histórica.
Tem o Matt Damon que eu gosto enfim... gosto muito do western Os Imperdoáveis, assim como: Menina de Ouro, Conquista Da Honra, Sobre Meninos e Lobos e principalmente, desta leva recente do diretor: Gran Torino!
Abs,
Rodrigo
Oi Elton,
Obrigado pela visita e comentário no 1/3. É claro que você pode me linkar...eu já te linkei no meu espaço!! Queria te seguir, mas não encontro como...tem jeito?? Se quiser, pode me seguir tbm...belo texto..ainda não assisti Invictus, mas já está na minha lista de filmes pendentes....
Abrs
Entendo plenamente quem tiver problemas com este filme. Ele é, tecnicamente, Cinema falho, mas há algo vibrante - quase transcendente - na direção de Eastwood que me deixou ávido.
Concordo com vc Elton. Invictus passa ao largo das grandes obras primas de Clint. Só discordo que seja seu melhor filmes desde o oscar alcançado por Menina de ouro. Para mim, Gran Torino é este representante. Mas sei que discordamos desse aspecto. Interessante foi o paralelo lançado entre as obras de Clint e de seus contemporÂneos Lumet e Allen. Apesar de formações culturais e cinematográficas divergentes, há um grande apelo nesta proposta.
grande abraço!
Como ainda não assisti? rsrs. Estou curiosa pela história (gostei do resumo a respeito do Mandela). Como admiro muito a história dele, quero conferir como Morgan Freeman se saiu como "Madiba". rsrs. ;)
Bruno: valeu pelo seu comentário, cara! Então, eu tenho problemas sérios com os últimos filmes do Clint, realmente basicamente todos abaixo da média MESMO. E "Invictus" não é lá essa maravilha, mas ainda é acima das outras fitas recentes do diretor. Também não fiquei sentido pelo filme, nem nada, achei o final uma chatice, pra ser sincero. E Matt Damon realmente não fez nada que merecesse uma indicação ao Oscar, só cumpre o papel.
Cleber: concordo em TUDO o que disse. Embora reconheça as qualidades de "Cartas de Iwo Jima", também não sou muito fã do filme. Já "A Troca" achei um exercício do mau gosto, péssimo filme, ridículo, só vale pela Angelina Jolie e algumas categorias técnicas mesmo. E ainda reforço seu comentário: Mandela merecia um filme melhor pela figura que é.
Valeu, Rodrigo. Mandela merece! =D
Freeman está mesmo ótimo como o líder africano, achei seu trabalho bem destacável, mas também não fui tão atraído pelo filme como gostaria. Essa distância é um pouco prejudicial, mas ainda cnosidero como um bom filme de Eastwood. Eu teria que reassistir "Gran Torino", esse sim eu não vi nada e muitos adoram!
Gui, eu nem sei como seguir hahaha! Sorry, total por fora desse esquema. Valeu por linkar meu blog ao seu o/
Wally: eu não diria nem na direção de Eastwood, que considero bem convencional, mas se tem algo que merece créditos em "Invictus" é seu roteiro podado. Gostei muito, não forçou tanto a barro, não puxou saco de ninguém... foi neutro assim como deveria ser.
Valeu, Reinaldo! Eu ainda vou reassistir "Gran Torino", darei mais uma chance ao filme, mas acho uma coisa chata de morrer. E eu avalio mesmo como obra e não como uma "despedida" nem nada, porque aí sim é até relevante a alusão aos personagens que Eastwood interpretou no início da carreira, mas sei não... rs. Enfim, ainda fico com "Invictus".
Olá Mayara! Freeman esbanja carisma e conseguiu interpretar Mandela com naturalidade. Achei uma ótima atuação.
ABS A TODOS!
Este filme é excelente. Meu cabeleireiro recomendado para mim enquanto eu estava fazendo um tratamento com um condicionador. Ontem eu vi esse filme e é muito bom, eu recomendo a todos.
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