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20 de jun. de 2010

O Preço da Traição


Um dos grandes dilemas do cinema e motivo de controvérsias entre cinéfilos é a razão de Hollywood produzir remakes desenfreadamente. Denunciando falta de criatividade preocupante na hora de conceber um filme, muitos estúdios norte-americanos recorrem a exemplares clássicos empoeirados ou outros que já se apagaram da memória curta dos espectadores e decidem reciclar todo o material, atribuindo novos rostos, novas dimensões e, às vezes, até uma nova trama. A lista não é curta de diretores que, em lapsos de insanidade, resolveram recontar histórias já consagradas. Alguns exemplos que me veem à cabeça são Tim Burton e sua pavorosa versão do clássico da ficção científica “O Planeta dos Macacos”, de 1968 e Neil LaBute, que vomitou “O Sacrifício”, remake sem substância do cult instantâneo “O Homem de Palha”, de 1973. Eu confesso que não sou tão radical quanto aos remakes, desde que o filme original não apresente resultado minimamente satisfatório e implore por uma refilmagem. Quando assisti ao francês “Nathalie X” percebi que o filme tinha uma ótima premissa, mas foi desperdiçado por inúmeros fatores. Assim, foi com alegria que recebi a notícia de que o diretor egípcio Atom Egoyam – da obra-prima “O Doce Amanhã” – reuniria um elenco de peso para estrelar “O Preço da Traição”, remake do filme francês. No entanto, jamais esperava que essa nova versão da história conseguisse sair ainda pior do que filme que lhe originou.


Escrito pela roteirista Erin Cressida Wilson, os minutos iniciais de “O Preço da Traição” trazem uma narração em off da jovem Chloe (Seyfried) sobre os cuidados e detalhes que seu trabalho como garota de programa exige para deixar o cliente satisfeito. Na cena seguinte, acompanhamos a indecisão da ginecologista bem sucedida Catherine (Moore) pensando na possibilidade de contratar os serviços de Chloe para seduzir o marido, David (Neeson), já que a ela desconfia que o homem a traia com outras mulheres. Após flagrar uma mensagem no celular do marido, Catherine admite a sexy e misteriosa garota para testar a fidelidade do marido aparentemente infiel.


Se nos 40 minutos iniciais, o filme ainda alimenta certa esperança no espectador, logo esse sentimento é substituído pela frustração, já que os intermináveis clichés e decisões biltres do roteiro tedioso transformam a trama em uma sequência de cenas previsíveis e pouco empolgantes – claro, com exceções louváveis, mas que também são cópias descaradas de outros filmes do gênero. O fato é que “O Preço da Traição” é um thriller erótico esquemático e pouco original, pois todos os elementos de outros filmes semelhantes estão inclusos na trama: o filho rebelde sem causa, a infidelidade, o affair erótico “surpreendente”, a obsessão, as amigas sexualmente ativas e o final resumidor e vergonhoso, só para enumerar alguns. Passando mais tempo olhando pela vidraça do consultório ou em cafés tomando champagne – Egoyan acha que está em Paris – em vez de atender suas pacientes, as conversas entre Catherine e Chloe são assassinadas pela obviedade. E mesmo que a trilha sonora – composta pelo ótimo Mychael Danna – tente convencer o espectador de que o que ele está presenciando é o ápice da originalidade, tem que fazer um esforço para não adivinhar qual será o destino de cada personagem do filme.


Por outro lado, “O Preço da Traição” é parcialmente salvo pelo competente trabalho do elenco, que ainda confere certa dose de verossimilhança a um script recheado de situações absurdas. Julianne Moore está excelente no papel de Catherine, uma mulher em plena crise de meia-idade que assimila as “escapadas” do marido com o próprio envelhecimento. A propósito, aqui o roteiro é sutil e merece crédito por retratar esse incômodo da personagem com sobriedade e sem excessos, e a performance de Moore é fundamental para externalizar esse sentimento de insegurança, que a personagem mescla com um tom psicótico estarrecedor. Da mesma forma, a jovem em ascensão Amanda Seyfried finalmente tem uma chance de mostrar alguma atuação mais consistente que não seja a da mocinha simpática. Sem se deixar afetar pelas muletas de interpretação de uma mulher sexy – um abraço para Megan Fox! – a atriz cria uma personagem dúbia e interessante, mas que é injustamente transformada pelo roteiro em uma figura chata no terceiro ato. E aí entra (ou não) o personagem de Liam Neeson, que faz o possível quando está em cena, já que seu desaparecimento repentino no meio do filme é de uma falta de cuidado tremendo com a história contada.




Responsável por uma filmografia pouco significativa, mas que enche os olhos dos organizadores de festivais cinematográficos mundo afora, o diretor Atom Egoyan, tal como o elenco, é lapidado por um roteiro medíocre. Sem muito que apresentar e de mãos atadas, o diretor é bem sucedido nas cenas que explora o prazer e o isolamento feminino, mas falha gravemente na grande maioria, como uma cena de assassinato, tornando-se franco favorito, ao lado de “Um Olhar do Paraíso”, da categoria Pior Morte do Ano. Comportando-se como um discípulo de Adrian Lyne, Egoyan faz de “O Preço da Traição” uma mistura indigesta de “Atração Fatal” com pitadas reprováveis de “Proposta Indecente”.



NOTA: 4,5



O PREÇO DA TRAIÇÃO (Chloe) EUA, 2010

Direção: Atom Egoyan

Roteiro: Erin Cressida Wilson

Elenco: Julianne Moore, Amanda Seyfried, Liam Neeson e Max Thieriot

10 comentários:

Alan Raspante disse...

Mesmo não tendo muitas expectativas quanto ao filme eu quero muito ver. Gosto da Moore e da Seyfried.
Ótima resenha!

Anônimo disse...

Essa titulo brasileiro já não me agradou, quanto ao filme ainda preciso conferir.

ABRAÇO.

Francisco Brito disse...

O filme tem cara de não servir nem pra estrume,mas o texto está EXCELENTE!
Parabéns pela resenha brilhante!

Reinaldo Glioche disse...

Pois é Elton. Taí um filme que discordamos bastante. É esquemático, o final é previsível e mercadológico, mas penso que a análise do desejo (muito bem delineada no filme) sai intacta. Não é um grande filme, longe de almejar figuração entre os notáveis de 2010, mas não creio ser essa patatada toda. Vejo o distanciamento do original proposto por egoyan e pela roteirista, que agora me foge o nome, muito saudável.
De qualquer maneira, venho, mais uma vez, louvar a lucidez do seu texto e a boa sacada de contextualizar a febre dos remakes.
grande abraço!

leo disse...

assim que fiquei sabendo do filme achei meio estranho,Atom Egoyan dirigindo um filme que cheirava a Adrian Lyne,a diferença é que Adrian é competente a fazer filmes desse tipo e Atom,definitivamente não.
Julianne Moore como sempre faz incrivelmente bem o seu papel,mas Amanda Seyfried e Liam Neeson (tem vezes que me esqueço que ele estava no filme) fazem vergonha.
Abraços

Wally disse...

Esse aí verei pelo elenco, mas com o pé atrás.

Cristiano Contreiras disse...

Acho um filme regular, que dá pra fazer uma análise interessante ao fim e que convence muito pelas boas atuações, como você disse. Não concordo muito contigo, pra mim o filme é bem melhor até, ainda que traga nele elemetos "clichentos"...e Amanda Seyfried está muito bem mesmo, essa atriz promete!

Elton Telles disse...

Valeu, Alan! O filme não é total desperdício, e embora o roteiro estrague praticamente tudo, o filme merece ser visto pelas atuações. Especialmente as de Julianne Moore e Amanda Seyfried.


Cleber: ignore essa tradução preguiçosa que deram a "Chloe". Eu fiquei decepcionado com o filme, mas tem bons pontos que merecem ser destacados, sim - e eu fiz isso no texto =)


Valeu pelo comentário, Chico! "O Preço da Traição" parece que tem pedigree, mas é dos vira-latas brabos rs. Típico filme que vai direto para o Supercine, nem passa pela Tela Quente xD


Reinaldo: obrigado pelo comentário, meu caro o/
Tem momentos que Egoyan se sai muito bem nas cenas de prazer e desejo, mas outras são vomitadas justamente para respeitar o roteiro desrespeitoso com os próprios personagens. O maior exemplo disso é a própria Chloe, que antes assume profissionalismo e dedicação no que faz, como deixa se passar por um DESLIZE de se apaixonar pela cliente? Achei essa obsessão bem jogado no roteiro para ter um clímax no final, sabe? E a exclusão do personagem de Neeson no meio do filme para equilibrar a história também é imperdoável e só aumenta a previsibilidade de tudo. Mas tm pontos positivos, sim: na direção, no elenco (principalmente), agora o roteiro foi de doer rs. Eu achei que o problema no filme foi os rumos que a história tomou, infelizmente foram os caminhos errados.


Leo: valeu pela visita! Olha, não estou entre os admiradores de Adrian Lyne, então a comparação foi ironia mesmo rs. Achei o elenco muito competente, sem exceções. E muito compreensível você se esquecer que Liam Neeson estava no filme, afinal o tratamento que o roteiro dá ao personagem é quase aos chicotes rs.


Wally: com os dois pés atrás, eu recomendo.


Cris: Para o Apimentário, "O Preço da Traição" é um prato cheio! Mas, no geral, achei bem decepcionante. E tomara que Amanda Seyfried não seja só uma promessa... que vingue! =)


ABS!

Cristiane Costa disse...

Olá, Elton

Pelo jeito, concordamos. O filme começa bem e vai caindo junto com o roteiro. As duas moçoilas do filme se saem bem até a obsessão de Chloe começar a ser insuportavelmente boring e Neesom ser excluído do filme. Já vi filmes sobre o desejo bem melhores.

Além disso, serei bem honesta. Não vejo a necessidade de filmarem remakes e não superarem o filme original. Há que haver uma superação porque, do que servirá o remake?

abs!

Rodrigo Mendes disse...

Oi Elton,

eu nem tive curiosidade de assistir. Apesar de gostar do elenco. julienne e Liam ótimos e a Amanda, desde Mamma Mia! é uma moça simpática.

Que pena, porque a direção é do Atom Egoyan que tem filmes brilhantes que foram premiados em Festivais consagrados como: O Doce Amanhã que até indicações ao Oscar teve..enfim..

...isso acontece no mundo cinematográfico. Hollywood é uma fábrica de negócios, e as vezes produtores conseguem comprar até diretores independentes com algum cheque milionário!

Adorei a comparação com Adrian Lyne, rs!

E bem lembrado dos péssimos remakes, lembrou Neil LaBute e Tim Burton, ha ha ha!
Abs,
Rodrigo