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15 de jun. de 2010

Direito de Amar


Após assistir ao filme “Direito de Amar”, assinado pelo estilista Tom Ford, costurei algumas similaridades desta produção com uma pequena preciosidade britânica chamada “Hunger” – que, lançado em 2008, ainda continua inédito no Brasil e continua sem previsão de estreia por aqui. Assim como Ford, o artista plástico Steve McQueen jamais havia trabalhado com cinema anteriormente e, considerando a inexperiência de ambos em uma função um tanto quanto desafiadora, é mais do que admirável constatar o resultado positivo que alcançaram em seus trabalhos como estreantes. A razão por ter estabelecido esse paralelo entre esses ótimos filmes não tem apenas como motivo o fato de que os dois diretores são novatos atrás das câmeras, muito menos porque são artistas de outros segmentos experimentando o sabor do cinema, mas sim, pelo desafio a que se proporam de retratar histórias estritamente introspectivas e espinhosas logo em seus primeiros trabalhos. Não era uma tarefa fácil, mas para sorte de Ford e McQueen, eles tiveram respaldo de profissionais da área técnica e de atores completamente imersos em personagens frágeis e de exigente caracterização – refiro-me a Colin Firth e Michael Fassbender, de “Hunger”. O resultado são dois grandes filmes que mereciam mais destaque do que realmente tiveram no ano de seus respectivos lançamentos.

Baseado na polêmica obra autobiográfica de Christopher Isherwood, “Direito de Amar” é escrito pelo próprio Ford em companhia do também estreante David Scearce. Passado no turbulento ano de 1962, quando a disputa territorial entre Estados Unidos e Cuba estava em andamento, o filme se baseia no dia posterior de um professor universitário ao saber da morte de seu parceiro há 16 anos. Desiludido, a única alternativa encontrada pelo homem é o próprio suicídio, que pretende realizar na noite do mesmo dia. Porém, no meio do caminho, George (Firth) cruza com pessoas e situações que acabam fazendo-lhe dar uma nova chance a si mesmo.


Um dos grandes trunfos de “Direito de Amar” é a serenidade que acompanha todo o transcorrer do filme. Embora o tema seja naturalmente doloroso, os roteiristas se mostram perspicazes por não recorrer a artifícios sentimentalistas com o objetivo determinado de fazer o espectador se debulhar em lágrimas. Como exemplo, temos o momento em que presenciamos a notícia recebida por George de que seu parceiro de longa data morreu em um acidente. Enquanto muitos aproveitariam a situação para explorar a dor do protagonista, a continência de Ford se resume a mostrar um close na face do personagem, que amparado pela ausência de música e pela pontualidade de Firth, resulta em uma cena econômica e, ao mesmo tempo, tocante e arrebatadora. Sem alterar o tom rítmico ou extrapolar em alguma cena para que se torne uma experiência “marcante”, a homogeneidade da história é sóbria, atrativa e pode ser considerada pessoal, pois acaba transferindo a responsabilidade ao espectador de administrar cada sentimento ao testemunhar as cenas rigorosamente arquitetadas pelo diretor.


Por outro lado, como qualquer estreante no ofício, Tom Ford não é uma exceção à longa lista de diretores novatos que extrapolam nos estilismos e na composição milimetricamente calculada das cenas. Embora esse perfeccionismo seja um deleite para os olhos, em certas situações acabam, involuntariamente, obstruindo maior aproveitamento do que se passa em cena; mas, certas vezes, também confere mais charme e elegância ao conteúdo em si, como o belo registro de quando o casal está conversando deitado sobre uma montanha sinuosa em um p&b convidativo. A propósito, o trabalho de iluminação do diretor de fotografia Eduard Grau é fabuloso e traduz significados importantes à trama. Percebam que a luz nunca está diretamente apontada para George, já que o mesmo se encontra em uma fase de “trevas” e solidão, enquanto as pessoas que se dirigem a ele sempre aparecem iluminadas com uma cor intensa. Sem falar nas alternâncias da luz pálida, quase sépia, para um ambiente mais quente e saturado. A estética do filme é impecável, incluindo-se os detalhes ricos do design de produção junto à magistral trilha sonora composta pelo maestro polonês Abel Korzeniowski.






Premiado em Veneza e indicado ao Oscar de Melhor Ator, Colin Firth entrega a melhor atuação de sua carreira até então. Sem deixar transparecer o desespero que seu personagem alimenta interiormente, George camufla sua depressão em um sujeito introspectivo e reservado, mas que se mostra disposto a aproveitar aquele que talvez fosse seu último dia de vida. E Firth, mais uma vez, realiza um trabalho brilhante ao mergulhar no íntimo de um personagem tão complexo, que exterioriza seus sentimentos com discrição e cautela. E no campo de coadjuvantes, o grande destaque é a talentosa Julianne Moore, que está radiante no pouco tempo que aparece em cena.


“Direito de Amar” entra para o hall quilométrico das traduções mais porcas que um filme já recebeu. Em meio a tanta beleza e sofisticação, um título digno de novela mexicana. Vai entender essas distribuidoras... Fato é que a estreia de Tom Ford nos cinemas resulta em uma dos filmes mais delicados e singelos do ano, que beneficiado por um trabalho harmônico de uma equipe em total sintonia, alia beleza estética com um roteiro enxuto e emocionante.


NOTA: 8,0


DIREITO DE AMAR (A Single Man) EUA, 2009

Direção: Tom Ford

Roteiro: Tom Ford e David Scearce

Elenco: Colin Firth, Julianne Moore, Matthew Goode e Nicholas Hoult

13 comentários:

Clenio disse...

Oi, já falei sobre este filme no meu blog

http://lennysmind.blogspot.com/2010/03/direito-de-amar.html

Acho uma estreia extremamente bem-sucedida de Tom Ford como diretor. Ele demonstra mais sobriedade, talento e sutileza do que muitos veteranos.
E Colin Firth e Julianne Moore estão bárbaros.

Grande abraço
Clênio
www.lennysmind.blogspot.com
www.clenio-umfilmepordia.blogspot.com

Alan Raspante disse...

Estou completamente doido pra ver este filme, estou super curioso. O longa não achegou nos cinemas aqui da minha cidade, e acho que nem chegará e por equanto nada dele em DVD... espero que consiga ver logo!
Abs.

Reinaldo Glioche disse...

Concordo com suas colocações Elton. De fato, foi uma estréia arrebatadora e Firth, tal como Clooney, estava melhor do que Jeff Bridges.
Quanto a esse filme inglÊs Hunger, já li sobre, mas obviamente ainda anão vi. Mas sua analogia me deixou intrigado.
grande abraço!

Raisa Marcondes disse...

Adorei o teu blog! Vou visitar sempre que puder... chorei litros de risos da lista dos casai mais bregas(?) do cinema. XD

Anônimo disse...

Tom, particularmente acho uma obra brilhante, a melhor do ano passado, e já umas das mais queridas pra mim! Colin Firth está em seu melhor momento, a Juliane mesmo que em seus meros 10 minutos de cena mostra que é sempre uma excepcional atriz, a fotografia que muda de tom sempre conforme a situação do personagem ... e por fim a trilha que eu já ouvi pra lá de 300 vezes, tudo se resume em uma obra fascinante.

Pode até parecer exagero, mais coloquei o filme entre meus 10 favoritos.

Um Abraço!

Francisco Brito disse...

Vida longa a este blog!
E é sempre mt bom ver atores subestimados como Colin Firth finalmente sendo reconhecidos.
Parabéns pelo texto!

Rodrigo Mendes disse...

Uma combinação perfeita. Figurino e cinema, em nenhum outro filme que eu tenha visto na última temporada e acho que será assim nos próximos anos.

Foi uma estréia digna de "Orson Wells em Kane". Espero que o Ford faça novos filmes e que não seja vítima de um primeiro sucesso.

Firth está ótimo.

Adoro a cena em que o namorado dele está lendo Bonequinha de Luxo!

Abs.

bruno knott disse...

Os caras se superam no quesito tradução de títulos... cada um mais bizarro que o outro.

Quanto ao filme em si, quero muito assistir, tanto pelo Colin Firth como pela trilha sonora.

Abs.

Elton Telles disse...

Clenio: Concordo com o seu comentário. Tom Ford está muito bem em sua estreia como diretor. Esperemos que ele abandone a moda e passe a diriir mais filmes, não? =)


Alan: esse filme só chegou na minha cidade por intervenção divina rs. Não tem outra explicação. Veja sim, vale muito a pena! Um dos filmes mais bonitos do ano!


Reinaldo: ainda não conferi "Coração Louco" para falar sobre o desempenho de Jeff Bridges, mas Firth (e Clooney) estão mesmo ótimos em seus papéis. Quanto a "Hunger", essas distribuidoras brasileiras me deprimem, cara... tipo de filme que não pode ficar inédito por aqui, não.


Raisa: Ae! Valeu pela visita. Pode entrar sem bater ;)


Cleber: Concordo com o seu posicionamento. E não acho exagero colocar entre os 10 favoritos, não. De forma alguma. "Direito de Amar" é um filme perfeito para as pessoas mais sensíveis e fico feliz que você tenha gostado do filme.


Chico: Ae! Valeu! Então, não acho Colin Firth um ator subestimado, não. Acho que ele não tem nenhuma atuação tão digna como essa, talvez até por não ter tido chances antes e tal, mas pra mim ele era indiferente - até agora.


Rodrigo: a cena de "Bonequinha de Luxo" é muito legal mesmo hahaha! Ford arrebentou, mas a comparação com Orson Welles eu achei um pouco forçada rs, mas isso varia de cada interpretação. A técnica realmente em casamento perfeito!


Bruno: nem me fale. Uma vergonha para a nação! rs


ABS!

Karen Faccin disse...

Ao contrário da Toninha, não poderia me abster, rs.

Filme impecável!
T-O-M F-O-R-D não poderia estar menos elegante e sensível,com uma estreia digníssima!
Isso sem falar da fotografia e trilha sonora maravilhosas e da atuação emocionante de Firth.

Um filme para sentir.

Wally disse...

Talvez meu filme preferido do ano.

Elton Telles disse...

Karen: "um filme para sentir". Perfeita colocação! Concordo que Firth está excelente e a respeito dos trabalhos de fotografia e trilha sonora. E Tom Ford é um sujeito ultra bem-vindo no cinema. Espero que as portas estejam sempre abertas a ele =)


Wally: uau! Difícil dizer isso... mas dos que vi até agora, o meu preferido do ano é a animação "Mary & Max".


ABS!

Cristiano Contreiras disse...

Filme tão denso, impactante, mexe com a solidão e é bem intimista...gosto do apuro técnico, da forma como a câmera foca a bela composição interpretativa de Colin Firth...fiquei fascinado pelo filme!

Merecia maior atenção no Oscar!

Abraço