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17 de mai. de 2010

Almoço em Agosto


“Almoço em Agosto” vai de encontro com as comédias mais escrachadas e escandalosas, tipicamente italianas, das décadas de 1960 e 1970. O filme marca a estreia de Gianni Di Gregorio atrás das câmeras na função de diretor, além de assumir parte do roteiro e o papel do condescendente protagonista da história. Novamente ao lado do diretor Mateo Garrone, cujo trabalho mais expressivo foi o premiado “Gomorra”, de 2008, em que Di Gregorio foi um dos 6 colaboradores do roteiro, o ator/diretor/roteirista abandona a máfia italiana e decide abraçar o gênero cômico. Porém, é perceptível a delicadeza e cuidado empregado pelo diretor para que o riso não fosse tratado de forma banalizada, excluindo, assim, qualquer possibilidade de transformar situações banais em motivos pautados de diversão obrigatória. “Almoço em Agosto” é uma comédia dosada, que investe a maior parte de sua comedida comicidade em momentos comuns e típicos do cotidiano de qualquer um que concordasse em hospedar quatro idosas na própria casa em um final de semana prolongado. Entretanto, essa “renúncia” ao deboche e a opção pelo “cômodo” é justamente o motivo de tantas críticas negativas ao filme, o que concordo em partes. Embora o projeto seja aconchegante e relativamente agradável, reconheço que o diretor ignorou oportunidades de extrair o riso, consequentemente, desperdiçando a chance de conquistar (ainda mais) o espectador.

Gianni (Di Gregorio) é um homem de meia-idade, que mora com a mãe idosa (Di Franciscis) no mesmo condomínio, em Roma, há alguns anos. Desempregado, as contas de Gianni se acumulam. Sabendo do paradeiro que o homem se encontra, o proprietário do apartamento lhe faz uma proposta: hospedar a mãe dele enquanto viaja durante o feriado de Ferragosto – feriado cristão comemorado na Itália – em troca de descontos no aluguel atrasado. Gianni, relutante, concorda e a tia enviada de companhia. Ao saber da situação, o médico da família, aproveitando-se das dívidas pendentes de Gianni, também pede que ele fique com sua mãe. Subitamente, o homem assume, a contragosto, papel de babá de quatro senhoras idosas, cada uma com cuidados especiais.

Sem nenhuma pretensão em apresentar conflitos ou um clímax sufocante, o filme é o simples retrato de uma inusitada situação. Não é um filme para gargalhadas; no máximo, o espectador vai acompanhar os (des)cuidados do protagonista com as senhoras com um constante sorriso de “canto de boca”. O riso é inevitável em algumas cenas, principalmente diante das discussões referentes a um macarrão de forno, à vaidade ilimitada da mãe do protagonista ou no momento em que Gianni enche uma chaleira de camomila na esperança das velhas senhoras dormirem por mais tempo. Em míseros 75 minutos de filme, “Almoço em Agosto” apresenta um pouco da cultura italiana e reproduz a inversão de papeis entre mãe e filho, exigida pela terceira idade.

O roteiro, mesmo reservando boas sacadas, peca ao estabelecer uma apresentação superficial de Gianni. Afinal, muitas perguntas não são respondidas, mas são, de certa forma, importantes para que seja firmado um laço de identificação entre o personagem e o espectador. Afinal, por que ainda ele mora com a mãe? O que levou sua ex-esposa a pedir o divórcio? Qual a maior dificuldade em não conseguir trabalho? Repleto de figuras interessantes, o filme também desperdiça alguns bons motivos para suscitar o riso – ou até mesmo a comoção – aproveitando o fato de que as senhoras são desconhecidas umas a outras e irão, posteriormente, se apresentarem. Percebemos os laços de amizade ratificados entre elas – principalmente na cena que intitula o projeto – mas o espectador não capta todo esse sentimento, nem acompanha as trocas de informações entre as senhoras, que poderia ser mais explorado em seu desenvolvimento.


Filme de baixo orçamento – apenas 500 mil euros –, já denuncia poucos recursos na própria opção de filmagem. Não ficaria surpreso se soubesse que a câmera utilizada foi de 16 mm, pois as imagens aparecem frequentemente desfocada e geralmente o aparelho está estático, pouco se move entre os cômodos. Outro fator “denunciante” é a escolha da locação, bem como a iluminação das cenas, que parecem um pouco mais escuras do que deveriam. O fato é que “Almoço em Agosto” não despende tanta preocupação estética na composição das cenas, o que é extremamente válido para a proposta do filme, uma vez que o sentido de naturalidade e improviso é mais acentuado neste formato. A contribuição do elenco de intérpretes desconhecidos também favorece nesse sentido, e todos são convincentes em desempenharem seus papeis com singeleza e economia.

Possível de resultar em um programa frustrante para aqueles que esperam uma típica comédia italiana - para estes, é mais recomendável assistir a um filme do Mario Monicelli –, no fim das contas, talvez a receita de “Almoço em Agosto” tenha omitido alguns ingredientes fundamentais, como temperos para realçar o sabor, mas não é nada assim tão grave que vá prejudicar o processo de digestão.


NOTA: 7,0


ALMOÇO EM AGOSTO (Pranzo di Ferragosto) Itália, 2008
Direção: Gianni Di Gregorio
Roteiro: Gianni Di Gregorio e Simone Riccardini
Elenco: Gianni Di Gregorio, Valeria De Fransciscis, Marina Cacciotti e Maria Calì

5 comentários:

Reinaldo Glioche disse...

Gosto muito das comédias italianas daquele período. Ainda não vi Almoço em agosto; recordo-me, porém,de ter lido algumas criticas elogiosas em relação ao filme. Nenhuma porém tão rica em detalhes e contextualização. Mais uma vez aplaudo seu rigor analítico aqui que em muito favorece o seu leitor Elton. Vc está de parabéns.

Grande abraço!

Alan Raspante disse...

Lembro-me de ter conferido o trailer de "Almoço em Agosto", há um bom tempo, mas ainda não conferi o filme, lendo agora a sua resenha, o desejo de conferir o filme despertou em mim outra vez, rs

Wally disse...

Ainda não conferi este. Alias, antes de sua crítica, nem conhecia.

Anônimo disse...

Tinha lido coisas nada agradaveis sobre o filme ... irei dar uma procurada!

Daniela Gomes disse...

Engraçado que passei na locadora ontem e vi este filme e sabia que já tinha visto algo sobre ele, em algum lugar. Mas não conseguia me lembrar de onde. Fiquei de pegá-lo assim que pudesse. Aí, passando pelo meu blog (Rs), vi o título de sua postagem e me lembrei. Nessa semana eu o assisto e volto a comentar.
Abraços