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13 de abr. de 2010

Casamento Silencioso

O cinema romeno desponta no cenário internacional como um dos mais aplaudidos e bem sucedidos da atualidade. Alguns exemplares oriundos do pequeno país europeu fizeram sucesso nos mais diversos festivais em que foram selecionados mundo afora. Esta exposição é muito positiva e gratificante, pois evidencia a cinematografia de um país que, até então, não obtinha grande repercussão no panorama cinematográfico – salvo raras exceções, como os relativamente conhecidos Nae Caranfil e Radu Mihaileanu. A Romênia atual revelou uma “nova onda” de cineastas críticos, porém não engajados. Sem se ater exclusivamente à pretensão de denunciar a corrosiva época dos anos de chumbo do comunismo, filmes como “A Leste de Bucareste”, de Corneliu Porumboio; “Como Eu Festejei o Fim do Mundo”, de Catalin Mitulesco e “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias”, de Cristian Mungiu – todos premiados no Festival de Cannes – se apóiam em dramas individuais de pessoas que vivenciaram a intolerância do regime comunista, que cessou com a revolução de 1989. Comparado aos três exemplares citados, “Casamento Silencioso” é uma comédia satírico-política deliciosa, que, embora seja conduzida com humor debochado e conte com passagens de fantasia, não ofusca a crítica pertinente que tece aos desmandos comunistas que assolaram o leste europeu no século passado.

A história começa nos dias remotos, quando uma equipe de televisão especializada em programas paranormais visita um antigo vilarejo, que se encontra em ruínas. Para compreender a razão da decadência do local, o filme faz um recuo no tempo, especificamente em 1953, ano em que os divertidos moradores do tal vilarejo preparavam uma festa de casamento já anunciada. Porém, a comemoração logo foi interrompida pelo governo comunista, que proibiu qualquer manifestação social em consideração à morte então recente do ditador russo Joseph Stalin. Desrespeitando as autoridades políticas, os noivos decidem prosseguir com o casamento, mas atentos a um “mísero” detalhe: não emitir nenhum som durante a cerimônia.


Sem a necessidade do recurso flashback, “Casamento Silencioso” acaba desperdiçando alguns minutos de sua já curta duração (89 minutos) para situar a paisagem do local nos dias atuais ao espectador. Essa opção está longe de ser um erro, já que não compromete a fluidez, nem mesmo a própria narrativa. Porém, se eu tivesse o poder de escolha, limaria por completo a contemporaneidade e focaria apenas na hilária e inusitada história que se passa na década de 1950. Não demora muito para sermos apresentados a um vilarejo mergulhado no bom humor libidinoso e consumido pela camaradagem. Povoado por figuras divertidíssimas e amáveis, o espectador logo se identifica com as personagens do longa, alimentando inexplicável apreço por cada indivíduo que salta à tela. Desde os protagonistas, passando pelos personagens secundários e até boa parte dos figurantes, os diálogos naturalmente engraçados se comprometem a apresentar com clareza cada personagem que vive na aldeia, mesmo que se limitem a tecer comentários ácidos de situações constrangedores que o indivíduo se envolveu no passado – a sensacional cena do bar é uma aula de como introduzir uma grande quantidade de personagens em tão pouco tempo.

“Casamento Silencioso” é uma mistura homogênia de comédia debochada, crítica política e pitadas de nonsense. Com clara alusão ao famoso trio de comediantes norte-americano Os Três Patetas, o filme possui uma linguagem semelhante à de trabalhos de diretores consagrados como o italiano Federico Fellini – em sua fase surreal, a partir da década de 1960 – e o sérvio Emir Kusturica: narrativas que não excluem a comédia, mas desfilam um humor idiossincrático e recheado de simbolismos. Típico de diretores estreantes, o romeno Horatiu Malaele acaba sobrepondo peso excessivo em algumas sequências do longa, adotando uma estrutura inapropriada para a representação de determinadas cenas, como aquela arquitetada sob quadros e colagens. Contudo, são deslizes que passam quase despercebidos se balancear com justiça as vantagens e desvantagens que o ótimo trabalho de Malaele proporciona à trama. A própria cena que dá título ao filme, responsável pelas principais gags, é de uma vigorosidade impressionante, resultado de uma combinação harmoniosa de ternura e domínio narrativo.



Relativamente enfraquecido pelo realismo fantástico presente em algumas passagens do filme, “Casamento Silencioso” é um sopro de criatividade em meio à decadência atual da comédia, um gênero cada vez mais enlatado e que, infelizmente, pouco se reinventa. Se em tantos outros filmes – principalmente aqueles protagonizados por Adam Sandler e Eddie Murphy – os realizadores falham ao fazer o público rir com os problemas intestinais de algum personagem, há uma piada que envolve flatulência no filme romeno que talvez seja mais engraçado do que toda a filmografia dos dois atores citados. Porém, curiosamente, é o gosto amargo na boca que acompanha o espectador para fora da sala de cinema, fruto da (óbvia) constatação de que, da mesma forma que o homem pode ser engraçado, o mesmo é capaz de cometer atrocidades por razões biltres e consensuais.


NOTA: 9,0


CASAMENTO SILENCIOSO (Nunta Muta) Romênia, 2008.
Direção: Horatiu Malaele

Roteiro: Adrian Lustig e Horatiu Malaele
Elenco: Meda Victor, Alexandru Potocean, Doru Ana e Valentin Teodosiu

8 comentários:

Karen Faccin disse...

Depois dos seus milhaaares de elogios e, é claro, depois de ler esse texto, quero muuuito assistir "Casamento Silencioso", e de preferência ao seu lado ^-^
Sou suspeita pra dizer isso, mas seu texto, como de praxe, está muito bem escrito, criativo e, dou destaque para a frase que diz: "Não demora muito para sermos apresentados a um vilarejo mergulhado no bom humor libidinoso e consumido pela camaradagem." que, creio eu, conseguiu reunir em poucas palavras o cenário do filme, funcionando quase como um slogan, me despertando uma curiosidade enorme viajar para aquele cenário também.

Já estava com saudade de ler suas aventuras cinematográficas :***:

Reinaldo Glioche disse...

O último romeno que vi foi mesmo 4 meses 3 semanas e 2 dias. Mas Casamento silencioso parece bem interessante. Confesso que não conhecia o filme, pelo menos não me lembro de ter lido nada a respeito. De qualquer maneira, gostei da construção do seu raciocínio.
Grande Abraço!

PS: Espero que seu computer já esteja no esquema!

pseudo-autor disse...

Se é cinema romeno, tô dentro. E quem já viu 4 meses, 3 semanas e 3 dias, sabe do que estou falando! Um dos cinemas mais corajosos da atualidade. Já está na minha lista de procuras (que deve ter pra mais de 100 filmes, muitos deles de difícil acesso). Valeu a dica. Em troca, lhe recomendo Machuca, de Agnes Wood, que vi semana passada e adorei.

Paulo Soares disse...

Desde de seu lançamento ouvi bons elogios sobre esse filme, essa semana mesmo escolhendo uns filmes para baixar, passei por ele mas acabei deixando para depois. Agora com esse seu comentário, não o ignorarei da próxima vez. Fiquei motivado...rsr

Abs Friendo!

Francisco Brito disse...

Talvez o melhor texto já publicado no blog:instigante,criativo e muitíssimo bem estruturado.Parabéns,amigo!
Sobre o filme...bem que eu queria ver,mas as chances de aportar em alguma locadora daqui são praticamente nulas.Quem sabe um download?
Abçs!

Elton Telles disse...

Karen é suspeita para falar. Assisti o filme sem maiores expectativas e me deparo com uma comédia sensacional. Obrigado pelo seu comentário, amor. xD


Olá Reinaldo!
Valeu pelo comentário. Ainda n"ao tive a oportunidade de assistir a "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias" - não sei o que se passa com as distribuidoras brasileiras que ainda não o disponibilizou para locação - mas tenho muita curiosidade em vê-lo. E procure assistir a "Casamento...", uma jóia preciosa que não pode passar em branco.


Dae "Pseudo-ator"!
Valeu pela visita e pela recomendação. Já vi "Machuca" bobeando nas prateleiras da locadora, e vou alugar assim que puder =)


Call it, Friendo!
HÁ! Obrigado pelo comentário, meu caro. Agora aprendeu a fazer download, tá assistindo milhares de filmes...rs. Tu sabe meu endereço! Não recuso nada, você bem sabe disso xD


Caro Chico,
Fico feliz pelo seu comentário. Tentei ao máximo fazer um texto para ficar à altura do filme. =)
Por intervenção divina, o filme estreou na minha cidade, por isso eu o conferi, mas nada que um download não resolva a situação.


ABS!

Cristiano Contreiras disse...

Concordo, um dos melhores posts seus daqui, Elton

Infelizmente, desconheço esse filme, mas tratei de providenciar o download por aqui, rs...

Gostei do foco argumentativo que você deu, parabéns!

Alvaro Augsten disse...

Seu texto ficou tão bom quanto o filme, eu diria. Discordo somente da parte em que você cita um enfraquecimento por alguns símbolos presentes, que arremetem ao realismo fantástico. Creio que esse tipo de simbologia recria melhor a sensação que o autor quer levar à quem assiste, sobre a determinada época, sobre a vida dos personagens.
Foi bom ter lido sua resenha, pude refletir melhor sobre o filme.
Abraço!