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24 de mar. de 2010

Educação


Acredito que muitos espectadores tenham se identificado ou visto uma espécie de semiprojeção deles mesmos em Jenny (Mulligan), personagem principal deste ótimo “Educação”. Estudante aplicada do Ensino Médio e filha de um pai autoritário, a adolescente de 16 anos tem como base de educação e formação pessoal, os ensinamentos didáticos e pedagógicos da escola em que estuda, um lugar rígido no que se refere ao comportamento das alunas matriculadas. Privada de livros que alimenta curiosidade ou músicas francesas que o pai a proíbe de escutar, Jenny sente-se como se estivesse presa em uma gaiola. Porém, após conhecer David (Saarsgard), um rapaz consideravelmente mais velho, a adolescente vivencia experiências fantásticas, passando a frequentar pubs londrinos, assistir a espetáculos de orquestra e até mesmo fazer viagens para o exterior. Assim, Jenny descobre que formação de vida e emancipação intelectual não se resume a ficar entre quatro paredes, devorando livros tediosos e decorando fórmulas prontas, mas que também há um mundo ao redor que pode servir como um grande professor para todos.

Aposto que a grande maioria dos jovens, entre 15 e 17 anos, já se “rebelou” contra os métodos positivistas impostos pelas instituições de ensino. Esta transição para a fase adulta é, geralmente, um período da vida em que os adolescentes conhecem e compartilham muitas novidades, passando a acolher ou adotar um estilo de vida com o qual mais se identifica. Sem falar que é um momento de definição de caráter e pelo qual as pessoas passam a fazer escolhas que levarão (ou não) para o resto da vida. Enfim, em suma, é uma fase complicada psicologicamente devido ao turbilhão de informações e decisões que o indivíduo, com tão pouca experiência, deverá fazer. “Educação” retrata muito bem este rito de passagem, transformando-se em um excelente ensaio sobre o amadurecimento e a autodescoberta.

Autor de livros que receberam notáveis adaptações para o cinema – “Alta Fidelidade” e “Um Grande Garoto” – o britânico Nick Hornby demonstra o talento habitual no desenrolar do roteiro de “Educação”, desde a criação dos personagens que recusam a caricatura até o rumo que o filme segue, os acontecimentos que marcam a trajetória da protagonista em companhia dos novos amigos. Aliás, “novos amigos” é uma expressão tentadora por excelência, que pode remeter a pessoas que influenciam as demais negativamente ou são responsáveis por causar algum tipo de dano à outra pessoa; mas, no filme, Hornby não se atém a esses conceitos embalados e prontos, preferindo fugir do estereótipo e garantir personalidade e poder de escolha aos seus personagens. Também merece destaque a recriação do ambiente e atmosfera da Inglaterra em plena década de 1960, passando pelo subestimado trabalho de figurino até o conteúdo em si, que mostra a hierarquização da família, pequenos flashs do preconceito aos negros – que mais tarde iria eclodir em movimentos racistas - e, claro, o charme e sedução que homens mais velhos e intelectuais despertavam em garotas mais novas. Embora nada disso tenha envelhecido e se excluído da sociedade nos dias de hoje, naquela época eram situações muito mais comuns de se encontrar.

Contudo, o roteiro não mantém o mesmo ritmo a partir do terceiro ato, resultando num desfecho preguiçoso e que, praticamente, sabota todo o discurso do filme. É como se conseguissem prender Javier Bardem em “Onde os Fracos Não Têm Vez” ou a Abigail Breslin vencesse aquele concurso pavoroso de “Pequena Miss Sunshine”. Infelizmente, mesmo que sem intenção, “Educação” apresenta resquícios de conservadorismo e acaba distorcendo e traindo as questões que o roteiro prega durante toda a projeção, o que acaba sendo frustrante para muitos espectadores – e não lhes tiro a razão. No entanto, apesar de não cumprir com o sentido da trama e dando uma volta relativamente decepcionante na história, não acredito que esse “defeito” prejudique ou comprometa o projeto, pois esse caminho que o filme percorreu também depende da história que foi contada – e é melhor eu não prosseguir senão posso entregar alguns spoilers –, mas isso também não é desculpa para maquiar a decadência do filme em seus minutos finais.





Surgindo como uma forte candidata à “Audrey Hepburn do século XXI”, Carey Mulligan ilumina o filme com uma atuação cativante e que comprova o talento dessa jovem intérprete, cujo papel mais conhecido até então fora da irmã que entra muda e sai calada da Keira Knightley em “Orgulho e Preconceito”. Com outros vários projetos anunciados para este ano – dentre eles, a aguardada sequência de “Wall Street” – Mulligan é uma grande promessa. Assim como a protagonista, Peter Saarsgard também desfila seu talento e comprova sua habilidade em encarnar personagens das mais diversas nuances – basta assistir aos filmes anteriores em que contracena para constatar sua naturalidade em cena, talvez a melhor explicação por não valorizarem tanto seus trabalhos. Enquanto isso, Alfred Molina tem a difícil tarefa de não ganhar a antipatia do público pela figura do pai teimoso e conservador, revelando-se muito bem sucedido e trazendo, ao lado da bela Rosamund Pike, um pertinente alívio cômico ao filme.

Contemplado por pontas de luxo de Sally Hawkins e da sensacional Emma Thompson, “Educação” é um pequeno filme agridoce, bem dirigido e que vale muito a pena ser assistido, pois todos já passaram pelos mesmos dilemas de Jenny. E relembrar tudo o que se passou naqueles tempos talvez seja uma tarefa tão ou até mais agradável do que assistir a este filme.


NOTA: 8,0


EDUCAÇÃO (An Education) Reino Unido, 2009
Direção: Lone Scherfig
Roteiro: Nick Hornby
Elenco: Carey Mulligan, Peter Saarsgard, Alfred Molina, Rosamund Pike e Emma Thompson

10 comentários:

Francisco Brito disse...

A premissa do filme parece ser bastante interessante,futuramente verei.
Parabéns pelo texto,excelente como de hábito.
o/

Jenson J, disse...

É o único dos 10 indicados, que eu não consegui ver a tempo, agora tenho de esperar nas locadoras.

Reinaldo Glioche disse...

Gostei muito desse filme, o que me surpreendeu. Não tinha altas expectativas em relação a essa fita. Discordo do entendimento que o final rejeita o discurso do filme, embora reconheça que o terceiro ato perca um pouco de força. Acho que a trajetória de Jenny (e a tour de force emocional que ela enfrentou) só pode ser plenamente digerida pela platéia na cena final e na derradeira frase. Acho que mais do que representar uma catarse para o espectador(a), o que Educação propõe não é essa ruptura de paradigmas sociais, mas uma busca pelo entendimento de sensações e anseios que são inerentes a determinadas fases da vida. E que, queira-se ou não, acontecerão. E é bom que aconteçam. Justamente por essa previsibilidade, muitos não viram no filme algo digno de grande consternação. A verdade é que não há mesmo. É um bom filme, bem dirigido, atuado e escrito. Nada mais, nada menos.
ABS

Karen Faccin disse...

Como não me encantar com a delicadeza de Jenny e nao me deixar seduzir pela astúcia de David? Nada mais típico. Mas nao nego que me surpreendi. Cena a cena ia se tornando uma mágica viagem pela memória.

Sem muito enfeite, o roteiro tem muitos méritos, inclusive, nao os descarto inteiramente no desfecho. O achei pobre, porém, nao achei que chegou a "sabotar todo o discurso do filme", o discurso do filme é aquilo que é: uma trejetória de autodescoberta, não tem certo nem errado, pois a trajetória continua. Me senti um pouco cumplice de Jenny, rs, acho que por isso não fiquei tão incomodada.

Ah, e o charme dos anos 60, tubinhos (que aproxima ainda mais Mulligan de Hepburn), casaquetos, florais, texturas, um deleite!
Um disperdício não chegar ao menos a uma indicação, só lamento.

Mayara Bastos disse...

Para mim, Carey Mulligan é o sopro de vida de "Educação". Sua atuação faz com que o espectador se identifique fácil com ela. E achei o resto do filme um charme, como clima e trilha sonora.

Beijos! ;)

Elton Telles disse...

Valeu Francisco. O filme é ótimo, vale muito a pena!


Olá Jenson! O único dos 10 que não vi ainda é "Um Homem Sério", dos Coen. "Educação" é um dos melhores entre os 10. Na verdade, gostei muito da seleção do Oscar deste ano.


Olá Reinado!
Eu achei que o minuto final vomitou praticamente tudo o que o filme afirmava até então: "não vale a pena correr riscos" e a experiência adquirida por Jenny fora em vão? De forma alguma! O filme demonstra conservadorismo bruto em sua narração final, e isso decai muito. Um erro bobo, mas que teve um efeito gritante sobre o filme. No entanto, achei isso até "perdoável", já que a história toma proporções que qualquer um ficaria assustado e se arrediaria perante as decisões futuras. Então, não reprovei o final completamente, mas foi frustrante. Agora que já tenho seu e-mail, vou poder esclarecer minha opinião com exemplos em cenas do filme, já que aqui poderia ser spoilers =D


Oi amor, digo, Karen!
Realmente, os anos 60 foram evocados com perfeição. Mulligan está em estado de graça e todo o ambiente que o filme proporciona é muito pertinente. O figurino merecia mesmo uma indicação ao Oscar.
Beijo!


Mayara, assino embaixo do que disse.


ABS!

Paulo Soares disse...

Talvez mais 20 ou 25 min fizessem bem ao filme, pois em suas 1:40 o filme se resultou homeopático, e corrido em muitos desenvolvimentos. Em diversas passagens tem uma abordagem segura, interessante,foge das caricaturas como bem disse, mas falhou em muitos pontos.E aquele medroso final simplismente boicota o filme.

De bom tem a excelente direção da Lone Scherfing. E a a atuação da Carey Mullingan. Que apesar de não ser tudo isso que quiseram empurrar na temporada de prêmios, tem sim uma competente e carismática atuação. Mais merecedora que a Sandra ao menos ela era.Mas enfim...

Abraço Friendo!

Cristiane Costa disse...

Oi Elton,

Gostei de Educação exatamente pelo processo de identificação com Jenny. Acho que o rito de passagem não é só da fase adolescente para a fase adulta, mas a educação da vida, como um todo, é algo recorrente em todos as idades por isso o filme tem esta cobertura universal de que nem tudo que se aprende nos livros dará a base para uma vida plena.

Sobre o final, concordo que ele perde a força,mas enxergo este desfecho como um dos pilares da vida adulta, ou seja, a Decepção, a frustração que acaba por testar o quão adultos somos e o quão maduros lidamos com as decepções, então, o lado" conservador" do desfecho tem a ver com a previsibilidade da vida adulta, que traz a melancolia de ter que dar a volta por cima quando tudo parecida mágico.

bjs!

pseudo-autor disse...

Alguns colegas meus ficaram chateados quando eu disse isso, mas esperava mais de Educação. E tem um motivo: o roteiro. Sou leitor do Nick Hornby e achei a história muito óbvia. Faltou um encantamento no filme (ou será que fui eu que não consegui enxergar?). Provavelmante, merece uma revisão de minha parte.

Cultura? O lugar é o Jukebox:
http://culturaexmachina.blogspot.com

Elton Telles disse...

Dae Paulo!
Pois é, o filme tem seus pontos altos e baixos como qualquer outro projeto passível a erros. Concordo quanto ao final medroso e traidor, assim como acho que Carey Mulligan oferece uma atuação muito superior à de Sandra Bullock.


Sempre gosto de ler seus comentários, Madame.
Acho que todos os espectadores viram um pouco deles mesmos ou de algum conhecido em Jenny. Por isso o filme acaba se tornando tão prazeroso. Compartilhamos basicamente a mesma interpretação quanto ao terceiro ato da narrativa, mas o que me incomodou mesmo foram os minutos finais - sem querer entregar spoilers - que é superficial a ponto de reduzir e excluir todas as experiências da protagonista durante o filme. Foi uma burrada o buraco em que Jenny se meteu, mas isso deveria servir como um degrau para a maturidade, em vez de ser algo retrógrado - como o filme, infelizmente, retrata.


Olá "pseudo-ator",
uma segunda visita ao filme nunca é demais. Gosto muito do Nick Hornby, achei que ele conseguiu fazer um roteiro coerente, apesar do terceiro ato semifalho. =)


ABS!