
Acredito que muitos espectadores tenham se identificado ou visto uma espécie de semiprojeção deles mesmos em Jenny (Mulligan), personagem principal deste ótimo “Educação”. Estudante aplicada do Ensino Médio e filha de um pai autoritário, a adolescente de 16 anos tem como base de educação e formação pessoal, os ensinamentos didáticos e pedagógicos da escola em que estuda, um lugar rígido no que se refere ao comportamento das alunas matriculadas. Privada de livros que alimenta curiosidade ou músicas francesas que o pai a proíbe de escutar, Jenny sente-se como se estivesse presa em uma gaiola. Porém, após conhecer David (Saarsgard), um rapaz consideravelmente mais velho, a adolescente vivencia experiências fantásticas, passando a frequentar pubs londrinos, assistir a espetáculos de orquestra e até mesmo fazer viagens para o exterior. Assim, Jenny descobre que formação de vida e emancipação intelectual não se resume a ficar entre quatro paredes, devorando livros tediosos e decorando fórmulas prontas, mas que também há um mundo ao redor que pode servir como um grande professor para todos.
Aposto que a grande maioria dos jovens, entre 15 e 17 anos, já se “rebelou” contra os métodos positivistas impostos pelas instituições de ensino. Esta transição para a fase adulta é, geralmente, um período da vida em que os adolescentes conhecem e compartilham muitas novidades, passando a acolher ou adotar um estilo de vida com o qual mais se identifica. Sem falar que é um momento de definição de caráter e pelo qual as pessoas passam a fazer escolhas que levarão (ou não) para o resto da vida. Enfim, em suma, é uma fase complicada psicologicamente devido ao turbilhão de informações e decisões que o indivíduo, com tão pouca experiência, deverá fazer. “Educação” retrata muito bem este rito de passagem, transformando-se em um excelente ensaio sobre o amadurecimento e a autodescoberta.
Autor de livros que receberam notáveis adaptações para o cinema – “Alta Fidelidade” e “Um Grande Garoto” – o britânico Nick Hornby demonstra o talento habitual no desenrolar do roteiro de “Educação”, desde a criação dos personagens que recusam a caricatura até o rumo que o filme segue, os acontecimentos que marcam a trajetória da protagonista em companhia dos novos amigos. Aliás, “novos amigos” é uma expressão tentadora por excelência, que pode remeter a pessoas que influenciam as demais negativamente ou são responsáveis por causar algum tipo de dano à outra pessoa; mas, no filme, Hornby não se atém a esses conceitos embalados e prontos, preferindo fugir do estereótipo e garantir personalidade e poder de escolha aos seus personagens. Também merece destaque a recriação do ambiente e atmosfera da Inglaterra em plena década de 1960, passando pelo subestimado trabalho de figurino até o conteúdo em si, que mostra a hierarquização da família, pequenos flashs do preconceito aos negros – que mais tarde iria eclodir em movimentos racistas - e, claro, o charme e sedução que homens mais velhos e intelectuais despertavam em garotas mais novas. Embora nada disso tenha envelhecido e se excluído da sociedade nos dias de hoje, naquela época eram situações muito mais comuns de se encontrar.
Contudo, o roteiro não mantém o mesmo ritmo a partir do terceiro ato, resultando num desfecho preguiçoso e que, praticamente, sabota todo o discurso do filme. É como se conseguissem prender Javier Bardem em “Onde os Fracos Não Têm Vez” ou a Abigail Breslin vencesse aquele concurso pavoroso de “Pequena Miss Sunshine”. Infelizmente, mesmo que sem intenção, “Educação” apresenta resquícios de conservadorismo e acaba distorcendo e traindo as questões que o roteiro prega durante toda a projeção, o que acaba sendo frustrante para muitos espectadores – e não lhes tiro a razão. No entanto, apesar de não cumprir com o sentido da trama e dando uma volta relativamente decepcionante na história, não acredito que esse “defeito” prejudique ou comprometa o projeto, pois esse caminho que o filme percorreu também depende da história que foi contada – e é melhor eu não prosseguir senão posso entregar alguns spoilers –, mas isso também não é desculpa para maquiar a decadência do filme em seus minutos finais.
Surgindo como uma forte candidata à “Audrey Hepburn do século XXI”, Carey Mulligan ilumina o filme com uma atuação cativante e que comprova o talento dessa jovem intérprete, cujo papel mais conhecido até então fora da irmã que entra muda e sai calada da Keira Knightley em “Orgulho e Preconceito”. Com outros vários projetos anunciados para este ano – dentre eles, a aguardada sequência de “Wall Street” – Mulligan é uma grande promessa. Assim como a protagonista, Peter Saarsgard também desfila seu talento e comprova sua habilidade em encarnar personagens das mais diversas nuances – basta assistir aos filmes anteriores em que contracena para constatar sua naturalidade em cena, talvez a melhor explicação por não valorizarem tanto seus trabalhos. Enquanto isso, Alfred Molina tem a difícil tarefa de não ganhar a antipatia do público pela figura do pai teimoso e conservador, revelando-se muito bem sucedido e trazendo, ao lado da bela Rosamund Pike, um pertinente alívio cômico ao filme.
Contemplado por pontas de luxo de Sally Hawkins e da sensacional Emma Thompson, “Educação” é um pequeno filme agridoce, bem dirigido e que vale muito a pena ser assistido, pois todos já passaram pelos mesmos dilemas de Jenny. E relembrar tudo o que se passou naqueles tempos talvez seja uma tarefa tão ou até mais agradável do que assistir a este filme.
NOTA: 8,0
EDUCAÇÃO (An Education) Reino Unido, 2009
Direção: Lone Scherfig
Roteiro: Nick Hornby
Elenco: Carey Mulligan, Peter Saarsgard, Alfred Molina, Rosamund Pike e Emma Thompson
10 comentários:
A premissa do filme parece ser bastante interessante,futuramente verei.
Parabéns pelo texto,excelente como de hábito.
o/
É o único dos 10 indicados, que eu não consegui ver a tempo, agora tenho de esperar nas locadoras.
Gostei muito desse filme, o que me surpreendeu. Não tinha altas expectativas em relação a essa fita. Discordo do entendimento que o final rejeita o discurso do filme, embora reconheça que o terceiro ato perca um pouco de força. Acho que a trajetória de Jenny (e a tour de force emocional que ela enfrentou) só pode ser plenamente digerida pela platéia na cena final e na derradeira frase. Acho que mais do que representar uma catarse para o espectador(a), o que Educação propõe não é essa ruptura de paradigmas sociais, mas uma busca pelo entendimento de sensações e anseios que são inerentes a determinadas fases da vida. E que, queira-se ou não, acontecerão. E é bom que aconteçam. Justamente por essa previsibilidade, muitos não viram no filme algo digno de grande consternação. A verdade é que não há mesmo. É um bom filme, bem dirigido, atuado e escrito. Nada mais, nada menos.
ABS
Como não me encantar com a delicadeza de Jenny e nao me deixar seduzir pela astúcia de David? Nada mais típico. Mas nao nego que me surpreendi. Cena a cena ia se tornando uma mágica viagem pela memória.
Sem muito enfeite, o roteiro tem muitos méritos, inclusive, nao os descarto inteiramente no desfecho. O achei pobre, porém, nao achei que chegou a "sabotar todo o discurso do filme", o discurso do filme é aquilo que é: uma trejetória de autodescoberta, não tem certo nem errado, pois a trajetória continua. Me senti um pouco cumplice de Jenny, rs, acho que por isso não fiquei tão incomodada.
Ah, e o charme dos anos 60, tubinhos (que aproxima ainda mais Mulligan de Hepburn), casaquetos, florais, texturas, um deleite!
Um disperdício não chegar ao menos a uma indicação, só lamento.
Para mim, Carey Mulligan é o sopro de vida de "Educação". Sua atuação faz com que o espectador se identifique fácil com ela. E achei o resto do filme um charme, como clima e trilha sonora.
Beijos! ;)
Valeu Francisco. O filme é ótimo, vale muito a pena!
Olá Jenson! O único dos 10 que não vi ainda é "Um Homem Sério", dos Coen. "Educação" é um dos melhores entre os 10. Na verdade, gostei muito da seleção do Oscar deste ano.
Olá Reinado!
Eu achei que o minuto final vomitou praticamente tudo o que o filme afirmava até então: "não vale a pena correr riscos" e a experiência adquirida por Jenny fora em vão? De forma alguma! O filme demonstra conservadorismo bruto em sua narração final, e isso decai muito. Um erro bobo, mas que teve um efeito gritante sobre o filme. No entanto, achei isso até "perdoável", já que a história toma proporções que qualquer um ficaria assustado e se arrediaria perante as decisões futuras. Então, não reprovei o final completamente, mas foi frustrante. Agora que já tenho seu e-mail, vou poder esclarecer minha opinião com exemplos em cenas do filme, já que aqui poderia ser spoilers =D
Oi amor, digo, Karen!
Realmente, os anos 60 foram evocados com perfeição. Mulligan está em estado de graça e todo o ambiente que o filme proporciona é muito pertinente. O figurino merecia mesmo uma indicação ao Oscar.
Beijo!
Mayara, assino embaixo do que disse.
ABS!
Talvez mais 20 ou 25 min fizessem bem ao filme, pois em suas 1:40 o filme se resultou homeopático, e corrido em muitos desenvolvimentos. Em diversas passagens tem uma abordagem segura, interessante,foge das caricaturas como bem disse, mas falhou em muitos pontos.E aquele medroso final simplismente boicota o filme.
De bom tem a excelente direção da Lone Scherfing. E a a atuação da Carey Mullingan. Que apesar de não ser tudo isso que quiseram empurrar na temporada de prêmios, tem sim uma competente e carismática atuação. Mais merecedora que a Sandra ao menos ela era.Mas enfim...
Abraço Friendo!
Oi Elton,
Gostei de Educação exatamente pelo processo de identificação com Jenny. Acho que o rito de passagem não é só da fase adolescente para a fase adulta, mas a educação da vida, como um todo, é algo recorrente em todos as idades por isso o filme tem esta cobertura universal de que nem tudo que se aprende nos livros dará a base para uma vida plena.
Sobre o final, concordo que ele perde a força,mas enxergo este desfecho como um dos pilares da vida adulta, ou seja, a Decepção, a frustração que acaba por testar o quão adultos somos e o quão maduros lidamos com as decepções, então, o lado" conservador" do desfecho tem a ver com a previsibilidade da vida adulta, que traz a melancolia de ter que dar a volta por cima quando tudo parecida mágico.
bjs!
Alguns colegas meus ficaram chateados quando eu disse isso, mas esperava mais de Educação. E tem um motivo: o roteiro. Sou leitor do Nick Hornby e achei a história muito óbvia. Faltou um encantamento no filme (ou será que fui eu que não consegui enxergar?). Provavelmante, merece uma revisão de minha parte.
Cultura? O lugar é o Jukebox:
http://culturaexmachina.blogspot.com
Dae Paulo!
Pois é, o filme tem seus pontos altos e baixos como qualquer outro projeto passível a erros. Concordo quanto ao final medroso e traidor, assim como acho que Carey Mulligan oferece uma atuação muito superior à de Sandra Bullock.
Sempre gosto de ler seus comentários, Madame.
Acho que todos os espectadores viram um pouco deles mesmos ou de algum conhecido em Jenny. Por isso o filme acaba se tornando tão prazeroso. Compartilhamos basicamente a mesma interpretação quanto ao terceiro ato da narrativa, mas o que me incomodou mesmo foram os minutos finais - sem querer entregar spoilers - que é superficial a ponto de reduzir e excluir todas as experiências da protagonista durante o filme. Foi uma burrada o buraco em que Jenny se meteu, mas isso deveria servir como um degrau para a maturidade, em vez de ser algo retrógrado - como o filme, infelizmente, retrata.
Olá "pseudo-ator",
uma segunda visita ao filme nunca é demais. Gosto muito do Nick Hornby, achei que ele conseguiu fazer um roteiro coerente, apesar do terceiro ato semifalho. =)
ABS!
Postar um comentário