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18 de fev. de 2011

127 Horas


Abril de 2003. Foi nesse período que o escalador Aron Ralston reservou um final de semana ensolarado para se aventurar em mais uma de suas expedições buscando explorar a beleza natural de escarpadas regiões montanhosas e aproveitar a espetacular paisagem geográfica para registrar a viagem com os dispositivos de sua única – e fiel – acompanhante, uma pequena câmera de mão. O lugar escolhido para o desbravamento foi o cânion Blue John, localizado nos confins do Estado de Utah, oeste dos Estados Unidos. Lá, Ralston conhece duas excursionistas perdidas e se oferece como guia para orientá-las no percurso, mas o destino do rapaz é outro: sua pretensão é chegar até um local estratégico para praticar rapel. No entanto, para economizar tempo e disposição física, o alpinista resolve cortar o trajeto por um atalho, mas se depara, literalmente, com uma pedra no meio do caminho. Ao apoiar-se nas paredes rochosas em uma fenda estreita, uma pedra de meia tonelada o derruba até à superfície e esmaga sua mão, o que lhe deixa prisioneiro no deserto por agonizantes 127 horas. As lembranças desse lamentável episódio deram origem ao livro “Between a Rock and a Hard Place”, recentemente adaptado para as telonas pelos oscarizados Simon Beaufoy e Danny Boyle. O resultado é uma experiência empírica das mais insuportáveis do cinema contemporâneo, e o filme em si uma das produções mais audaciosas e admiráveis em termos narrativos de 2010.

Afinal, a premissa do filme é um desafio por natureza. Como manter um público de espectadores acostumados com shows pirotécnicos de efeitos visuais permanecerem interessados em uma história que se passa quase integralmente no mesmo cenário e com um único personagem? Todos os departamentos do filme trabalham a favor para que “127 Horas” não se transforme em 93 minutos de pura monotonia, e conseguem a proeza com louvores. Não sei se é início de uma onda ou pura coincidência, mas o “cinema claustrofobia” é uma vertente que está ganhando certo destaque, considerando alguns lançamentos recentes, como “FilmeFobia” – terror brazuca experimental e pouco conhecido –, “Enterrado Vivo” e o 3-D “Santuário”, atualmente em cartaz nos cinemas. “127 Horas” incrementa esse tipo de exemplar, cuja sensação angustiante de sentir-se refém de alguma estrutura – sejam ela as profundezas do mar, um caixão ou uma rachadura entre duas montanhas – é a condição básica para o espectador corajoso que intenciona acompanhar o desfecho da armadilha casual.

Para potencializar o grau de desespero do protagonista encurralado e não deixar a sessão enfadonha, o roteiro aposta em flashbacks e algumas ilusões decorrentes da situação deplorável que ele se encontra – sem água e mantimentos, chega a beber a própria urina e comer a lente de contato. Assim, o espírito aventureiro que denunciava nos primeiros minutos se dissipa e o filme passa a investir em um drama existencialista. Durante os 5 dias que permaneceu preso nas rochas, Aron repensa a própria conduta, rendendo o melhor momento da trama quando simula um talk show representando ao mesmo tempo o anfitrião irônico e o convidado – ele mesmo – em posição desconfortável por reconhecer seus fracassos comportamentais sustentados pelo egoísmo, que o rapaz se autodeclara praticante ativo.

Sem demonstrar interesse de transformá-lo em um tipo de herói, “127 Horas” se mostra até relativamente intolerante com algumas atitudes reprováveis do alpinista, que perto da morte, passa a avaliar alguns acontecimentos dos quais se questiona os pensamentos que o levou às conclusões de seus atos – sobretudo quando envolve a namorada, que, aparentemente, ainda mexe com sua cabeça. Se algumas das recordações do protagonista se excedem e soam desnecessárias, outras beiram o lirismo, como quando Aron, enclausurado entre as rochas com direito a apenas 15 minutos diários de raio solar, se recorda de um evento da infância em que ele e seu pai assistem ao nascer do sol – sem dúvidas, uma lembrança que jamais lhe assaltaria a memória se não fosse pela emboscada que se encontra. Aí, entra em campo a espetacular montagem de Jon Harris, responsável não apenas pela requintada inserção dos flashbacks e pela dinâmica da tela dividida em partes, mas pelos cortes rápidos e precisos que entregam cada reação do rapaz com pontualidade.



Debruçando-se sobre uma linguagem moderna próxima ao videoclipe, que muito se aproxima daquela empregada em “Quem Quer Ser um Milionário?”, o diretor Danny Boyle se apropria do ritmo frenético, impulsionado pelo hábil jogo de câmeras registrando enquadramentos diferenciados, o que confere mais dinamismo à cena. Da mesma forma, Boyle utiliza recursos estéticos interessantes, como alternar o registro convencional do filme com a filmadora não-profissional de Ralston ou o recuo apressado adotado em duas cenas específicas, quando situa o espectador da profundidade em que ele se encontra e a distância do local até seu ponto de partida, evidenciado no momento em que o rapaz sedento fantasia uma bebida e a câmera localiza um Gatorade transpirando no banco traseiro de seu carro. Acompanhando todas essas alternâncias com propriedade, a fotografia da dupla Anthony Dod Mantle e Enrique Chediak é outro fator muito bem trabalhado no filme, desde a luz que salienta a aridez e o clima escaldante do cânion até a iluminação executada com profissionalismo, que altera conforme os diversos ângulos captados no mesmo ambiente.

As áreas técnica do filme, ressalto, são impecáveis. Contudo, o perfeito casamento telepático com que se comunicam pode passar despercebido por muitos espectadores não apenas pela aflição que a história evoca, mas devido ao tour de force de James Franco. Sem nenhum outro elemento para dividir a cena consigo, Franco é o centro absoluto das atenções e sua atuação é não menos que brilhante nas horas de desespero, de delírios, de esperança, tudo expressado com realismo, que, claro, não seria tão fiel se não fosse pelo desempenho dos profissionais técnicos. É uma pena, portanto, a desconfiança de que o filme vá sair com nenhuma estatueta entre as 6 categorias que compete no Oscar desse ano – incluindo Melhor Filme e Roteiro Adaptado. Mas analisando friamente a concorrência pesada, talvez essa possível “esnobada” possa consagrar filmes melhores. Ou então “O Discurso do Rei”.


NOTA: 8,0


127 HORAS (127 Hours) EUA, 2010
Direção: Danny Boyle
Roteiro: Simon Beaufoy e Danny Boyle
Elenco: James Franco, Kate Mara, Amber Tamblyn e Clémence Poésy

15 comentários:

Otavio Almeida disse...

Tour de force de Danny Boyle e James Franco que é muito melhor que uns cinco ou seis filmes dessa lista do Oscar. Uma experiência única e extraordinária! Abs!

Pedro Tavares disse...

Achei esse tour de force bem irregular. Tem ótimos momentos e boas inserções visuais. Pena que elas logo saturam e o filme perde força e ritmo.

Abs!

Clenio disse...

Minha torcida no Oscar é pro James Franco, ainda que seja apenas uma esperança inútil. É um trabalho sensacional de interpretação, como raramente se vê.

Abraços
Clênio
www.lennysmind.blogspot.com
www.clenio-umfilmepordia.blogspot.com

Alyson Santos disse...

Fala Elton!

Cara, tanto nesse quanto em Bravura Indômita encontra-se (enfim) opiniões diferentes entre nós, hehe! Mas, curioso que não deixo de concordar.

Antes de tudo quero falar que seu texto me deu uma inspiração pra um post sobre o “cinema claustrofobia”. Há tempos que quero falar sobre uns filmes, mas não encontrava a base para analisa-los em comum, mas ai está, valeu! haha'

Sobre o filme agora, digo antes de tudo que percebo que realmente o cinema do Boyle não me atinge. O cara não consegue me deixar marcado pelos seus filmes, acho-os completamente passageiros, com histórias um tanto quanto previsíveis. A montagem videoclipeira, embora bem executada, me incomoda bastante também. Mas, o principal de tudo é ser material demais e pouco subjetivo. O fato de eu não me senti preso a uma pedra entre as grandes paredes é o que me faz colocar o filme em 8º lugar nos indicados.

Abraço!

Alyson Santos disse...

Ah! E como não subiu no seu Roll. Eu tbm escrevi sobre o filme no meu blog.

falow!

Reinaldo Glioche disse...

Ou então O discurso do rei.rsrs. Ótima essa!
Cara, excelente crítica. Concordo com absolutamente tudo que vc observou. A cena em que Aron simula o talk show é mesmo de arrepiar.Um momento supremo de James Franco. Vc perpassou bem a técnica apurada de 127 horas, este filme que é incrivelmente superior a Quem quer ser um milionário (inclusive a direção de Boyle) e, ironicamente, deve sair sem nada.

Grande abraço!

Alan Raspante disse...

Ah Elton, não estava muito afim de conferir "127 horas", mas lendo tantos comentários positivos é impossível não ficar curioso em relação ao filme. Se texto foi o que me deixou mais animado!

Espero ver em breve :)

Mayara Bastos disse...

Acho que vejo essa semana, e como sou sensível, penso em ir preparadíssima para a sessão, pela fama que o filme tem em deixar a platéia sem fôlego. rsrs.

Beijos!

Rodrigo Mendes disse...

Vou conferir a fita e volto para comentar!!!

Desde já ótima crítica.

Abs.
Rodrigo

bruno knott disse...

Realmente tá rolando uma tendência de filmes "claustrofóbicos". Acho que aquele Pânico na Neve, que ainda não vi, é outro exemplar.

Concordo com tudo que você falou... não é fácil manter o público interessado em filmes desse tipo... palmas para toda a equipe técnica por conseguir esse feito. Danny Boyle é foda.

Sem comentários o James Franco... o talk show realmente é o melhor momento do filme. Pra mim, ele e o Bardem estão melhores que o Firth!

Abs!

cleber eldridge disse...

James Franco está mesmo fantástico, e dos cinco indicados ao OSCAR ele é o que merece mais. Mas, é só, Danny Boyle quis tirar leite de pedra pra fazer esse filme, que no fim das contas não me agradou tanto, talvez pelo excesso de expectativas.

Cristiano Contreiras disse...

Um bom filme este, me surpreendeu - não o Franco, um ator que sempre admirei e só vejo amadurecer mais e mais; mas, é Boyle que finalmente me cativou aqui. Ao contrário de muitos, nunca fui fã dos filmes dele. Esse me cativou!

Abraço

Rodrigo Mendes disse...

OI ELTON,
conferi o filme hoje e gostei muito, como sempre adoro as fitas de Boyle. Aqui ele contagia ainda mais e mostra a beleza que é a vida e como a solidão pode ser terrível. (sem soar clichê, rs).

Voce disse tudo e resumiu a proposta de Boyle: "O resultado é uma experiência empírica das mais insuportáveis do cinema contemporâneo, e o filme em si uma das produções mais audaciosas e admiráveis em termos narrativos de 2010". E ponto.

Não acho mais novidade este estilo videoclíptico, mas quando feito com criatividade é ótimo!

Um filme que não vai ganhar Oscar. Mas eu não me importo com isso.
127 Horas é um filme imaturo e acima de qualquer prêmio. Ele não liga e deixa o fone de ouvido no último para curtirmos o som e vermos a paisagem. Um filme jovem, jovem, jovem. Oscar é para velhos, rs!

Abs.
Rodrigo

Raisa Marcondes disse...

Vamos ao troca troca de idéias? Ah!\


Baixei o filme. Achei a duração bacana para um filme claustrofóbico e one man show. Franco está muito bom. Me impressionou. Mas sabia que o Oscar não viria tão cedo, porque melhor do que um alpinista preso, é um rei que não fala direito! hsauhsauhsuas

Os aspectos técnicos do filme, assim como em todos de Boyle, são fenomenais. Fiquei lembrando de milionário e a praia (este último muito subestimado, diga-se de passagem). O que mais gostei, e acho que foi melhor do que em A rede social, é a edição. Ótimo uso dos efeitos flashbacks. Se não fosse essa sacada, seria mais um pastelão comparado ao fraquíssimo 'Enterrado Vivo', com Ryan Reinolds.
Abraços!

Rebeca disse...

ele não come a própria lente, isso seria algo desnecessário, é mas fácil ele comer areia, ao menos tem nutrientes..., ele lubrifica a lente com cuspe...

enfim, ótima resenha ^^

tb escrevi sobre esse filme aqui > http://www.percaseutempo.com/2011/03/127-h-em-95-min.html