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5 de jan. de 2011

Toy Story 3


Elogiar a Pixar é chover no molhado. Todo o mundo já se rendeu aos projetos encantadores que o estúdio lança em intervalos anuais; são grandes filmes que atribuíram outra identidade à técnica da animação, antes utilizada para contar histórias mais ingênuas, dirigidas quase exclusivamente ao público infantil. A Pixar não foi a divisora de águas nesse sentido, mas foi a responsável por expandir os horizontes e popularizar essa veia mais amadurecida das animações, equilibrando suas histórias com a inocência típica de uma criança e sentimentos fortes e genuínos, que levam os mais velhos às lágrimas e/ou à reflexão. A trilogia “Toy Story” é um dos exemplos máximos dessa junção tão enriquecedora. Profundamente tocante e nostálgico, mas sem deixar de exibir seu nítido apelo infantil, as aventuras protagonizadas pelo cowboy Woody e sua trupe são simplesmente inesquecíveis porque sensibiliza, evoca lembranças íntimas de quem assiste, e simultaneamente, entrega um vasto repertório de situações cômicas inspiradas, sem perder o tom ou trair quaisquer limitações dos objetos animados. Sinceras emoções assaltam o espectador porque os dramas aparentemente bobos da trama e tão facilmente solucionados pelos seres humanos na vida real são encarados como verdadeiras tormentas para os pequenos e adoráveis bonecos, por quem o espectador cria simpatia sem fazer muitos esforços. Quem (re)assiste “Toy Story”, sem perceber, desperta a criança dentro de si, pois todos torcem pelo batalhão de plástico, torcem pela supremacia da infância. E só por isso, a trilogia dos brinquedos é certamente uma das melhores já produzidas pelo cinema, porque tem alma, tem vida própria, é mágica e embriagante.

A Pixar foi fundada em 1986, mas só lançaria seu primeiro longa-metragem nove anos depois. O sucesso estrondoso de “Toy Story” rendeu outras duas continuações cronológicas, que demonstram o amor que o garoto Andy (voz de John Morris) sente pelos seus brinquedos, em especial Woody (voz de Tom Hanks) e o patrulheiro espacial Buzz Lightyear (voz de Tim Allen). A cena final de “Toy Story 2”, lançado em 1999, proporciona uma rima perfeita com as inquietações compartilhadas pelos bonecos neste terceiro capítulo. Observando pela janela Andy se oferecendo a dar aulas de direção para a irmã de apenas quatro anos, Woody disfarça a preocupação que o corrói por dentro sobre seu dono se desfazer dele no futuro, seja por um braço rasgado ou por não ter mais “idade para brincar”. Perguntado por Buzz se ele está bem, Woody emenda “Sim, vai ser bom legal enquanto durar. Além do mais, quando tudo acabar, vou ter o meu amigo Buzz Lightyear para me fazer companhia. Ao infinito e além”. Se por um lado, a amizade selada entre Woody e Buzz sobreviveu ao tempo, por outro, a aparente tranquilidade do cowboy (e de todos seus companheiros) deu vazão ao desespero de ser rejeitado e descartado na lixeira, e é essa motivação de sobrevivência que move a trama da última aventura dos corajosos heróis de plástico.

Prestes a ir para a faculdade, Andy coloca seus brinquedos – com exceção de Woody, que é posto em uma das caixas da mudança – em um saco plástico onde iria guardar no sótão. Mas, por engano, sua mãe (voz de Laurie Metcalf – a mãe assassina de Billy Loomis de “Pânico”, WTF!) carrega os brinquedos de Andy até a rua, onde o caminhão de lixo se aproxima para recolher os dejetos. Com a intenção de resgatar seus amigos da sarjeta, Woody parte para salvá-los. Para não levantarem suspeita de que têm vida própria, os brinquedos se escondem no porta-malas do carro estacionado na garagem e, quando percebem, estão em uma outra caixa de papelão rumo a um destino certo: a creche Sunnyside, para onde a mãe de Andy está enviando alguns objetos para doação. Lá, eles conhecem outros brinquedos “abandonados” e, à primeira vista, ficam admirados com o lugar, mas depois descobrem que se trata de uma prisão hierárquica, comandada por um “urso maligno que cheira a morangos”.


Aparentemente se comportando como um estranho no ninho, visto que não tinha muita experiência com cinema, muito menos com animação, Michael Arndt – oscarizado pelo excelente roteiro de “Pequena Miss Sunshine” – engana os mais desavisados e se passa como um autêntico membro da Pixar, já que o mesmo mergulha de cabeça na aura levantada pelo estúdio durante todos esses anos e escreve com exímia dedicação o brilhante e muito bem encaixado roteiro do filme. Ainda que a animação por natureza permita que o roteirista “abuse” da história, é interessante notar que Arndt não força a barra e preza pela verossimilhança dos acontecimentos, como uma simples alteração em um manual de instrução ou até o clímax devastador que deixa qualquer um com o coração na boca. Permanecendo sempre fiel ao caráter dos personagens, Arndt cria as situações que recheiam a história sem trair a personalidade e as características marcantes de cada brinquedo, entre eles, o ansioso Rex, o ranzinza Sr. Cabeça de Batata, a valente Jessie, o cético porquinho Hamm ou o fiel escudeiro Slinky. Atribuindo um equilíbrio perfeito por conceder grau de relevância igualitária aos personagens secundários, o excelente script ganha contornos mais cômicos ou dramáticos – dependendo da situação – por não centralizar apenas a história no drama de Woody, mas democratizar importantes fatias do roteiro para os demais, sem se esquecer do sempre esquecido trio de “etzinhos” verdes do Pizza Planet.

Outro semi-estreante que assume a difícil missão de finalizar a série com um filme à altura dos anteriores – e conseguiu a proeza de entregar o melhor da trilogia –, Lee Unkrich co-dirigiu outros três filmes da Pixar, mas tudo indica que a pouca experiência que teve foi suficiente para ele captar toda a sofisticação e inteligência que caracterizam os projetos da produtora. A parceria de Arndt e Unkrich é harmoniosa, e resulta em cenas excepcionais tanto em sua inclusão na história como na concepção estética, como os flashbacks – este em forma de gravação de vídeo – que mostra Andy demonstrando tanto afeto pelos brinquedos ou aquele explicando as origens das raízes malignas plantadas em Lotso (voz de Ned Beatty). Aliás, a apresentação dos personagens no filme também é fantástica. Sem cerimônias e em uma ótima cena de ação, o diretor adentra com eficiência na imaginação do garoto que fantasia um grande resgate envolvendo Woody, seus companheiros e “inimigos”.

No mais, “Toy Story 3” se revela um perfeito balanceamento entre cenas comoventes e outras um tanto cômicas, que representam essa obstinação de agradar a todas as idades – o que conseguem com louvor. O filme também retrata a dolorosa fase do amadurecimento e traz Andy como um adolescente de 17 anos que, como qualquer outro, mostra-se impaciente e deslocado até por ter que enfrentar responsabilidades dignas de um adulto, desta vez, sozinho. Mas, acima de tudo, “Toy Story 3” é um filme que valoriza o companheirismo e a cumplicidade; e perceber esses laços de amizade tão fortes entre os personagens não deixa de ser emocionante, culminando na cena final, que entra para o hall das mais belas (e simples) que eu já vi no cinema. Mas, passando um lenço nas lágrimas, o terceiro capítulo da história também proporciona momentos engraçadíssimos, como o Sr. Cabeça de Batata virando “tortilha”, o fútil relacionamento entre Barbie e Ken e a fabulosa versão espanhola de Buzz, que já se tornou uma cena épica, além, claro, das imperdíveis sequências que acompanham os créditos finais – e eu só lamento os afobados que foram embora do cinema e não assistiram.

Encerrando a trilogia com chave de ouro, “Toy Story 3” repete toda a riqueza de detalhes comuns nas produções Pixar, exibindo um soberbo design para ambientar a história, como é o caso das paredes coloridas de Sunnyside, que, mais tarde, se converte em uma “ruína de desespero”. Mais que um simples filme, “Toy Story 3” representa uma magnífica e inesquecível experiência cinematográfica, pois é incrível como o filme consegue provocar extremidades no espectador – ao menos em mim –, desde ficar com o rosto inchado de choro até fazer doer as bochechas de tanto rir, tudo isso sem perder a qualidade e o ritmo. Por essa e outras, não apenas o melhor filme de 2010, mas considero “Toy Story 3” uma das melhores animações já produzidas no cinema.


NOTA: 10,0


TOY STORY 3 (Idem) EUA, 2010
Direção: Lee Unkrich
Roteiro: Michael Arndt
Elenco: Tom Hanks, Tim Allen, Joan Cusack, Ned Beatty, Don Rickles, Michael Keaton, John Morris e Laurie Metcalf

14 comentários:

Rodrigo Mendes disse...

Excelente crítica deste prestigiado estúdio. A PIXAR faz animação com sentimento e criatividade, as vezes até esqueço que estou vendo um desenho animado por computação.

Abs.
Rodrigo

Cristiano Contreiras disse...

SIMPLESMENTE ÚNICO!

Saí emocionado e contagiado pelo ritmo, roteiro e produção do filme - como pôde ser tão perfeitinho? sim, Toy Story 3 consegue ser mais criativo e mais humano que os dois primeiros, sem dúvida coloca no chinelo as chatices repetitivas de Shrek e é mais digno, prazeroso e mais legal que outras animações por aí.

Achei muito bom mesmo a maneira como coloca a questão dos brinquedos - buscam, mais que tudo, o afeto dos humanos; querem atenção e não querem ser esquecidos jamais pelos seus donos - estes, inevitavelmente, crescem e tem que lidar com escolhas também.

O roteiro é muito bem dosado - é mais ousado na parte de delinear detalhes da vida e motivação do urso roxo...da forma como recria os diálogos e entrosamento de Woody e cia; da maneira como toca em nós nas cenas finais de Andy despedindo-se dos brinquedos...na maneira como a ação se desenrola com o humor...nunca ri tanto e, confesso aqui, que chorei no final...me arrepiei sim...e saí apaixonado!


Fiquei feliz mesmo! Toy Story fez parte de minha infancia, e pelo visto será definitivo pra toda vida!

Parabéns por seu texto!
Mostra bem a essência do filme.

Abraço

Francisco Brito disse...

O melhor filme de 2010. Sem mais.

chuck large disse...

Pra mim, uma grata e excelente surpresa. Animação perfeita e completamente humana,pra mim a melhor da Pixar!

Reinaldo Glioche disse...

Excelente e apaixonada crítica Elton. É isso mesmo. Talvez a grande contribuição de Toy story 3 não tenha sido entrar para o clube do bilhão ou propiciar que chovemos no molhado (rasgando elogios a Pixar), mas prover um desfecho onírico para uma trilogia acima de qualquer suspeita. Um filmaço que ajuda a trilogia a se colocar frente de muitas favoritas do cinema por aí.
Grande abraço!

Alyson Santos disse...

Fala Elton, beleza?


Cara, tivemos sensações muito semelhante ao ver o filme. Realmente uma qualidade incontestável, assim como todas as emoções que o filme disperta e a capacidade de renovar o infantil em nossa alma de maneira tão sutil. Do riso ao choro com tanta facilidade, como se conhecesse a cada um de nós e soubesse como nos emocionar ou nos alegrar.

Uma trilogia histórica no cinema e em nossa vida.

Abraço!

Amanda Aouad disse...

Ótimo texto, resgatou o início e falou bem dessa pequena obra-prima que tivemos o prazer de ver esse ano.

bjs

Anônimo disse...

Comecei a chorar no cinema, ocultada pelos oculos 3D e de repente solto um baita de um soluço daquelas de criança sentido, sabe? rs Olhei pro lado e vi o cinema todo abrindo a boca tb.

Coisas que só a pixar consegue, impressionante.

Acho que todo mundo passa a refletir na infancia qdo assiste, os brinquedos, é praticamente uma metafora. Jogar eles fora ou doarmos para uma creche nada mais é do que uma analogia da gnt se despedindo de uma das epocas mais gostosas da nossa vida. E o final com Andy fazendo uma especie de homenagem de cada brinquedo para Bonnie, prova que a gnt nao esquece de coisas boas que aconteceram conosco enqto crianças e que estas coisas permanecem. Mto bom teu texto!

Abs!

Natalia Xavier

Cássio Bezerra disse...

O primeiro parágrafo por si só já renderia uma grande crítica. Excelente tua capacidade de síntese!
No entanto, quisestes ir mais além. E não se perdeu. Discutiu elementos muito importantes. Meus Parabéns!
Destaco a surpresa (como tu) da descoberta do roteirista deste Toy Story 3 - Michael Ardnt, que demonstrou uma enorme capacidade em adotar "personagens".
Grande abraço.

cleber eldridge disse...

Até o momento o melhor filme produzido em 2010, engraçado, sensível, realista, maduro. Um filmaço! O crescimento do personagem central não é um processo difícil apenas para os brinquedos, mas também para o espectador. Emocionante.

pseudo-autor disse...

Provavelmente deve ser a animação presente entre os 10 indicados ao Oscar de Melhor Filme desse ano. Afinal de contas, é a Pixar. Não precisa dizer mais nada. Ou precisa?

Cultura na web:
http://culturaexmachina.blogspot.com

Wally disse...

Disse tudo. Filme magnífico em todos aspectos. (9.0)

Mayara Bastos disse...

Lindo texto, mesmo! Filmaço, meu filme favorito de 2010. ;)

Elton Telles disse...

RODRIGO M.: Muito obrigado e eu assino embaixo do seu comentário. Pra mim, a Pixar é um estúdio invicto em qualidade até então. Todos bons filmes, uns mais que os outros.


CRIS: simplesmente adorei o seu comentário e agradeço pela congratulação. Parece que saímos com os mesmos sentimentos pós-première dessa mais nova obra-prima do estúdio. Também prefiro o terceiro capítulo em detrimento dos anteriores, que também são fantásticos. E "Shrek"... pf! Não é mais do que um filme de comédia perto de toda humanidade de TS. No mais, é divertido e emocionante na dose certa e o roteiro é mesmo muito bem esculpido. Valeu pelo comentário, brother!


CHICO: sim, sim. =D


JAMES LEE: Humm... melhor da Pixar eu já não sei porque é ultrajante apontar um filme melhor. Eu posso indicar um que goste mais talvez, mas ainda assim vou me sentir injusto com os demais que adoro hehe. Prefiro não opinar rs. Valeu pela sua visita!


REINALDO: como de hábito, você não poderia estar mais com a razão com seus comentários perfeitamente pertinentes. Faço das suas palavras, as minhas =)


ALYSON: exatamente. Como disse na crítica, o filme desperta a criança adormecida dentro de nós. E TS3 não é só mesmo um filme a ficar marcado no cinema, mas faz parte da nossa vida. Eu cresci vendo Woody e seus amigos, por exemplo, e testemunhar o desfecho super sincero e emocionante que é dado ao filme, poxa, é algo realmente marcante. Obrigado pela visita! o/


Obrigado, AMANDA!


NATALIA: hahahaha, vc não foi a única, nem as pessoas da sua sessão. Na minha, só ouviam fungados e eu estava puxando a orquestra basicamente hahaha! Obrigado pelo seu comentário e muito interessante a sua analogia com a obra, compartilhamos da mesma opinião :-)


Grande CASSIO, obrigado pelas palavras, fiquei feliz pelo seu comentário! De fato, Michael Arndt é um roteirista excelente, para ficarmos de olho em seus trabalhos futuros.


CLEBER: perfeito!


PSEUDO-AUTOR: não. Não precisa. E não só merece a menção, mas torço pela sua vitória! No entanto, acho que a Academia ainda não é tão madura (olha o paradoxo) para reconhecer que uma animação também é 'filme'.


WALLY: thanks, man!


MAYARA: meu tbm! Valeu pelo comentário, Má.


ABRAÇO A TODOS!