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18 de jan. de 2011

Atração Perigosa


O início da década passada representou um declínio em queda livre na carreira artística de Ben Affleck, após a glória de conquistar em 97 o Oscar de Roteiro Original por “Gênio Indomável”. A partir daí, focando suas atenções na área da atuação, Affleck encarou papeis coadjuvantes em filmes badalados, como “Armageddon” e “Shakespeare Apaixonado”. A popularidade do ator aumentou, no entanto, ao protagonizar blockbusters de qualidade duvidosa como “Pearl Harbor”, “O Demolidor” e o fracasso “Sobrevivendo ao Natal”, os quais lhe rendeu algumas merecidas indicações ao Framboesa de Ouro. Com a moral no mais profundo abismo negro da indústria e ainda denegrindo a própria imagem em programas de TV se gabando do sucesso efêmero, a situação do ator engrossou quando engatou um romance desgastado pela mídia com a cantora e atriz Jennifer Lopez, que, juntos, se aventuraram em um dos filmes mais bizarros do cinema, “Contato de Risco”. Ninguém esperava um retorno de alguém já fadado ao fracasso, mas o progressivo comeback de Affleck começou em 2006, quando foi laureado no Festival de Veneza com o prêmio de Melhor Ator por “Hollywoodland – Bastidores da Fama”. No ano seguinte, estreando na função de diretor, Affleck comandou “Medo da Verdade”, projeto corajoso que conta com uma narrativa admiravelmente bem conduzida; e em 2009, ofuscou um grande elenco na pele de um congressista ambicioso em “Intrigas de Estado”. Recentemente, dirigiu e protagonizou o thriller “Atração Perigosa”, um dos filmes mais elogiados pela crítica em 2010 e que registrou um invejável faturamento nas bilheterias: US$ 92 milhões só nos EUA.

Os números favoráveis estabelecem Ben Affleck como um cineasta que tem um futuro promissor por trás das câmeras, e seu último filme pode ser, até agora, considerado o ápice de sua filmografia curta, porém notável. Ainda colhendo as cinzas do passado fruto das más escolhas e influências, a redenção do ator se apresenta, principalmente, pela revelação dos competentes trabalhos de direção como este. Baseado no livro “Prince of Thieves”, de Chuck Hogan, a história se passa na cidade de Boston, mais precisamente em uma parte dela, a comunidade de Charlestown – “A Cidade”, do título original –, uma região perigosa encoberta pela nuvem negra do medo e da insegurança.

“Mãe” de assaltantes de bancos e carros-fortes, Charlestown, como indica a citação de um oficial da polícia logo nos créditos iniciais, tem uma tradição hereditária de bandidagem. Partindo desta afirmação, o roteiro se desenrola e introduz a gangue liderada por Douglas McRay (Affleck), cujo pai, Stephen (Cooper) foi setenciado à prisão perpétua ao ser detido roubando um carro-forte. O rapaz comanda uma equipe de ladrões cuidadosos, responsáveis e com total disciplina antes de agir, mas algo sai errado durante um assalto a um banco e eles levam como refém a jovem gerente Claire (Hall), que, mais tarde acaba se envolvendo com o líder do grupo sem realmente saber quem ele é. Essa aproximação com a vítima irrita seu comparsa e melhor amigo James (Renner), que exibindo um perfil agressivo e pouco temperamental, cria discórdias entre os membros, que, posteriormente, se veem como os alvos principais de uma investigação do FBI, sob o comando do incrédulo agente especial Adam Frawley (Hamm).

“Atração Perigosa” é um competente filme de ação que se mostra hábil em balancear cenas em que a adrenalina escorre pelo celulóide com outros momentos mais construtivos para a história, o que inclui alguns detalhes ditos pelos personagens que julgamos desnecessários, mas que, no decorrer da trama, é utilizado com inteligência pelo roteiro bem delineado. Ainda que traga nada de inovador ao gênero, o filme é interessante pelo olhar que Affleck lança sobre Boston, permanecendo fiel às suas pretensões, sem querer aprofundar nenhum descabido tipo de estudo social sobre divergências entre classes – talvez a principal explicação desse alto contingente de violência em Charlestown. Se recorresse com afinco a este tipo de análise, o material perderia o tom e a identidade, além de perigar o contato com o óbvio que caracteriza tantas produções que levantam críticas superficiais. Mais contido, em contrapartida, o diretor investe em registros panorâmicos da cidade, destacando pontos de referência e áreas residenciais, justamente com a intenção de mostrar o contraste de uma região aparentemente pacífica e com locações bem planejadas, mas que é conhecida como uma verdadeira faculdade do crime, cujo conteúdo se aprende desde o berço.



Outro ponto eficiente de “Atração Perigosa” consiste nas ótimas cenas de ação, sobretudo a que envolve uma perseguição pelas ruas apertadas da cidade. Se em tantos enlatados – o primeiro que me vem à cabeça é “Ponto de Vista” – quem assiste já sabe que o “mocinho” vai escapar, as armadilhas desta cena, em particular, direcionam o espectador a um respiro de alívio ao seu final por conta da tensão provocada com o auxílio fundamental da câmera nervosa de Affleck, que encontra a sintonia perfeita com o trabalho do excelente montador Dylan Tichenor. No entanto, “Atração Perigosa” não se despe totalmente dos clichés e frequentemente opta por caminhos mais convencionais para cair no gosto do público com maior facilidade. O aspecto mais incômodo, nesse sentido, é a determinação da personalidade dos personagens centrais, como a figura do agente do FBI, interpretado por Jon Hamm, que basicamente se comporta como se fosse o bandido da história (irônico, insuportável, temperamental e antiético); Affleck, que flerta com a canastrice no filme, interpreta um sujeito bondoso, apesar do mau caratismo; e, por fim, a ótima Rebecca Hall, que empresta a caricatura da mocinha frágil e desprotegida, conforme exige o roteiro.

Mas ainda que essa caracterização seja grave, não se impõe sobre o trabalho homogeneamente satisfatório do elenco, cujos destaques vão para Jeremy Renner – indicado ao Globo de Ouro, ao SAG e pretendente ao Oscar – e Chris Cooper, que merecia mais atenção pelo filme, já que a única cena em que aparece está simplesmente perfeito. Ainda trazendo ótimos desempenhos da gossip girl Blake Lively e do veterano Pete Postlethwaite, recém falecido vítima de câncer, “Atração Perigosa” é um bom filme que se preocupa com a história da mesma forma que exibe proteção e cuidados com seus personagens, mesmo que o todo não deixe de ser bem previsível.


NOTA: 6,5


ATRAÇÃO PERIGOSA (The Town) EUA, 2010
Direção: Ben Affleck
Roteiro: Peter Craig, Ben Affleck e Aaron Stockard
Elenco: Ben Affleck, Rebecca Hall, Jon Hamm, Jeremy Renner, Blake Lively, Pete Postlethwaite e Chris Cooper

8 comentários:

Amanda Aouad disse...

É isso, nada de inovador, mas muito bem realizado. Gostei um pouco mais que você, hehe.

bjs

Rodrigo Mendes disse...

Ótima introdução ponderando a carreira de Affleck. Eu nunca achei ele um exímio grande ator, nem mesmo nesta fita, mas o cara tem presença de câmera.

Eu não achei o filme tão previsível assim, ele até me surpreendeu da forma como foi abordado, o romance e as cenas de ação e assalto!

Acho um filme ótimo **** e creio que Affleck pode ir em busca de projetos ainda mais audaciosos que este.

Abs.
Rodrigo

Reinaldo Glioche disse...

Excelente construção de raciocínio Elton. Não há o que acrescentar.
Abs

pseudo-autor disse...

Bem que o Affleck podia assumir essa faceta diretora daqui pra frente e parar de enganar o público com suas canastrices como ator. Atração Perigosa é tudo que eu esperava de um filme policial. Que venham outros dele!

cultura na web:
http://culturaexmachina.blogspot.com

Rodrigo Mendes disse...

Ganhou um selo Elton!!!

Abração.
Rodrigo

Pedro Tavares disse...

Inferior ao MEDO DA VERDADE, né? Mas gostei da dinâmica que Affleck cria com a mesmice do tema. Talvez seja melhor que ele fique apenas na cadeira de diretor.

Cristiano Contreiras disse...

Também gostei muito mais do filme, na verdade eu li seu texto e até a metade achei que daria uma nota maior. rs

Gostei desse tanto quanto "Medo da verdade", sou mais um que acha que Affleck é melhor no campo da direção que atuando, coisa que ele nunca foi bem. Contudo, neste filme, ele até convence...

Não só Renner merece atenção, eu gostei muito da atuação de Rebecca Hall aqui.

Um bom filme! Nota 8!

abraço

Elton Telles disse...

AMANDA: acontece hehe. A direção de Affleck é o grande diferencial do filme o/


RODRIGO: Valeu! É, como ator, Affleck deixa a desejar, são raros os momentos que se pode destacar uma atuação convincente. E acho que ele está até razoável aqui como ator, mais sutil e econômico. No entanto, se tivesse um outro protagonista, com certeza, seria melhor e talz, mas não achei de todo o ruim aqui. Exatamente! O filme surpreende na maneira que é abordado e ele foge de alguns clichés, mas sustentam outros por fora. Affleck não perde o fôlego e sua condução bem manejada segura o filme, que ganhou mais status do que deveria. E obrigado pelo selo! hehe


uhuull, valeu, REINALDO! o/


PSEUD0-AUTOR: Boooooa, assino embaixo!


PEDRO T.: Opa, muito inferior a "Medo da Verdade" hehe. Quando disse que "Atração Perigosa" fosse o ápice de sua curta carreira de diretor, me referia a críticas e considerações que vem recebendo nas premiações e, claro, o reconhecimento. E concordo, seria muito melhor se assumisse o posto de diretor e largasse de atuar hehe. Este filme só veio para certificar que "Medo da Verdade" não foi um golpe de sorte de principiante. O cara manda bem mesmo!


CRIS: hahaha, às vezes me exalto com o texto, liga não. Sei lá, esse negócio de nota... o que importa mesmo é o texto. A nota é uma "batida do martelo". "Atração Perigosa" é um bom filme, bem bom, mas não me surpreendeu tanto assim, Cris. Boa lembrança a Rebecca Hall, acho que essa britãnica tem um belo caminho a trilhar no cinema. Muito boa!


ABRAÇOS A TODOS!!