Pages

15 de nov. de 2010

Soul Kitchen


Na lista dos cineastas mais promissores mundo afora, é indispensável a inclusão do alemão-turco Fatih Akin, diretor de filmografia que constam poucos filmes, mas que exibe um currículo invejável a qualquer um que esteja no ramo. Aos 37 anos, o diretor já ostenta prêmios nos mais importantes festivais cinematográficos do mundo. Em 2004, conquistou o Urso de Ouro, prêmio máximo concedido pelo Festival de Berlim ao melhor filme da seleção oficial, que, naquele caso, foi o conturbado “Contra a Parede”. Três anos depois, era a vez de Cannes reconhecer o trabalho de Akin como roteirista, laureando-o com o prêmio de Melhor Roteiro pelo brilhante “Do Outro Lado” – o melhor de sua filmografia com folga. Para fechar a trinca, desembarcamos na Itália, na concorrida edição do ano passado do Festival de Veneza. Além de sair com o Prêmio da Juventude, o júri presidido pelo diretor taiwanês Ang Lee outorgou o Prêmio Especial do Júri, para a surpresa de todos, à “Soul Kitchen”, uma divertida comédia de erros que dá continuidade ao assunto retratado pelo demais filmes dirigidos por Akin: o choque cultural entre nações diferentes. No entanto, o filme está longe de ser “indigesto” como os demais citados; trata-se de um projeto mais despretensioso do diretor, que revela um ótimo timing cômico ao entregar uma rara comédia alemã que não tem vergonha de flertar com o pastelão e faz o espectador dar risadas.

A origem do título do filme vem do restaurante administrado pelo protagonista, um rapaz de nacionalidade grega Zinos (Bousdoukos), radicado na Alemanha. Encontrado em péssimas condições físicas, na verdade, o “restaurante” é um galpão abandonado que passou por reformas consideráveis e foi transformado em uma espelunca carente de clientes, do qual o protagonista é proprietário. Zinos passa por momentos turbulentos em sua vida, ao tentar conciliar a direção do estabelecimento, alvo da Vigilância Sanitária, com a recente hérnia diagnosticada; com a ida da namorada a Xangai; com o irmão criminoso que cumpre liberdade temporária; com um funcionário casca-grossa recém-contratado; com um amigo de infância que pretende destruir o seu patrimônio, dentre outros problemas que surgem para atormentá-lo.

Essa é a “desculpa” que Fatih Akin teve para fazer um filme divertido e agradável: mostrar um cara que parece um guitarrista de black metal cheio de problemas pendentes a serem resolvidos. Todos os dilemas do protagonista recaem sobre o Soul Kitchen, e o local acaba assumindo papel importante para os desdobramentos do roteiro, tornando-se um dos vários personagens excêntricos da história – e não é à toa que o filme é batizado com o seu nome. Navegando pela gastronomia retratada pelo cinema, há vários âmbitos que podem ser explorados, desde um filme boboca sentimental (“Chocolate”) até uma fantástica fábula de humor negro (“Estômago”). Neste filme, Akin não aprofunda a questão da culinária, mas pela trama se passar quase exclusivamente dentro de um restaurante, o diretor aproveita para confirmar o poder afrodisíaco da comida, mostrando uma suruba alucinada que se revela uma das cenas mais WTF do filme. A irreverência de “Soul Kitchen” só contribui para tornar a película ainda mais bacana, incluindo o pé no escracho, que faz algumas cenas ficarem realmente deslocadas, mas outras se tornam ainda mais compensadoras.


O filme tem um ritmo frenético, contemplado pelo ótimo trabalho do editor inglês Andrew Bird, e a música é um dos componentes essenciais de “Soul Kitchen”. Fartas contribuições do Soul, como Quincy Jones, Isley Brothers e Louis Armstrong – embora seja mais influente no jazz –, mas que também ganham toques de bandas recentes e pouco conhecidas como Locomondo e a alemã Love Ravers. Outro componente indispensável seria a reunião de um elenco de rostos novos e talentosos da Alemanha, e mais do que um bom desempenho para atuar, “Soul Kitchen” também exige improviso e talento cômico. Nesse quesito, o ator e co-roteirista Adam Bousdoukos se sai invicto. Criando Zinos como um rapaz irresponsável e de temperamento instável, seu jeito estabanado e o pensamento rápido e ilógico em muitos momentos converte-o em um cara naturalmente engraçado. Da mesma forma, o ótimo Moritz Bleibtreu – mais conhecido por ser o namorado em “Corra, Lola, Corra” e dado vida ao terrorista Andreas Baader no recente “O Grupo Baader Meinhof” – consegue sair por cima, fazendo do seu personagem criminoso, uma pessoa em quem o espectador passa a confiar e torcer por um final justo. Porém, o grande destaque mesmo fica com o ensandecido chef interpretado com concentração pelo talentoso Birol Ünel, o viciado de “Contra Parede”.

Fato é que basicamente todos os principais atores deste projeto já trabalharam previamente com Akin em filmes anteriores – alguns deles sequer lançados no Brasil. Isso comprova o ambiente de conforto e cumplicidade de se realizar um filme mais leve, sem grandes compromissos, como se este fosse um respiro das películas que Akin vinha produzindo recentemente. De qualquer maneira, um projeto acima da média se comparado a tantas comédias desmioladas dos últimos anos. Direção penetrada, atores dedicados e um roteiro bem elaborado que adiciona doses de inteligência e pitadas volumosas de sarcasmo: essa é a receita de “Soul Kitchen” para se fazer uma comédia de primeira linha.


NOTA: 8,0


SOUL KITCHEN (Idem) Alemanha, 2009
Direção: Fatih Akin
Roteiro: Fatih Akin e Adam Bousdoukos
Elenco: Adam Bousdoukos, Moritz Bleibtreu, Anna Bederke, Birol Ünel e Pheline Roggan

5 comentários:

Reinaldo Glioche disse...

É mesmo uma comédia de primeira linha que, pelo menos a mim, surpreendeu positivamente. Representa um novo fôlego na carreira de um cineasta que parecia já ter um rumo definido. Depois de Soul Kitchen, certamente, fica mais difícil rotular o talentoso Fatih Akin.
Abs

chuck large disse...

Putz! Seu texto como sempre me deixou super curioso!

Pedro Tavares disse...

Com o perdão do trocadilho, SOUL KITCHEN é um filme delicioso!

Rodrigo Mendes disse...

Elton, excelente pontuação quanto a promissora carreira de Akin. Um cara que ando observando e gostando de seu trabalho. Me lembra Aronofsky em início de carreira.

Gosto bastante do ator Moritz Bleibtreu, acho 'Luna Papa' um filme maravilhoso também!

Abs
Rodrigo

Elton Telles disse...

Reinaldo: concordo. Mas rótulos pra que servem?/ Não tem utilidade alguma, ainda bem que temos um diretor talentoso e versátil como Akin nos dias de hoje.


Alan: cara, fico muito feliz que meus textos impulsionem alguém a assistir os filmes. Principalmente os bons hehe, como é o caso deste. Faça isso, aposto que não irá se arrepender ;D


Pedro Tavares [2]


Valeu, Rodrigo. Akin remete mesmo a Aronofsky, sem falar que são 2 diretores promissores dessa nova geração. Não assisti esse "Luna Papa", mas Bleibtreu é mesmo um ator de destaque, encarna os personagens com uma naturalidade impressionante e talvez seja por isso que muitos nem lhe dão o valor que merece.


ABS A TODOS!