Pages

23 de abr. de 2010

Alice no País das Maravilhas


Durante a década de 1920, em razão das cicatrizes da Primeira Guerra Mundial, o cinema europeu sofreu uma recessão, transferindo a supremacia e o prestígio pela Sétima Arte a Hollywood, que passou a canalizar as atenções e investir pesado na indústria cinematográfica. Com a ascensão e o desenvolvimento de vários estúdios de cinema, os proprietários desses conglomerados encontraram uma forma de atrair a grande massa para as salas de exibição. Eles proporcionaram o fenômeno “star system”, uma estratégia que orientava a “fabricação” de grandes estrelas que agradassem a maioria do público – na verdade, esse sistema existe até hoje e, claro, não se restringe apenas a Hollywood. Se naquela época, figuras como Mary Pickford, Buster Keaton, Charlie Chaplin e Clark Gable eram sinônimos de “sessão lotada”, hoje podemos considerar Will Smith, Johnny Depp, Angelina Jolie, Tom Cruise e outros astros e estrelas como parte integrante desse fenômeno.

No entanto, curiosamente, são poucos os diretores contemporâneos que conseguem arrastar multidões para o cinema simplesmente por estamparem seus nomes nos pôsteres de filmes. Excluo dessa lista, nomes consagrados como Scorsese, Resnais, Coppola, Spielberg, que ainda continuam em atividade, mas pertencem a outra geração. Refiro-me a diretores mais atuais como Almodóvar, Tarantino, os Irmãos Coen e, como não poderia deixar de citar, Tim Burton. Os trabalhos desses cineastas possuem características próprias, que acabam se tornando referências quando identificamos similaridades em outros trabalhos. Burton, por exemplo, foi capaz de constituir um público fiel – que não necessariamente GOSTA de cinema – graças ao estilo narrativo excêntrico que empresta aos seus filmes, sem falar na duradoura parceria com um dos atores mais populares (e talentosos) em atividade, Johnny Depp. Eles vão ao cinema para ver “um filme de Tim Burton”. O resto é conseqüência.

Dessa parceria antiga, surge o novo projeto do diretor, “Alice no País das Maravilhas”. Baseado em dois livros do escritor britânico Lewis Carroll, o filme conta a história de Alice (Wasikowska), uma garota que é constantemente atormentada por pesadelos e sonhos estranhos. Aos 19 anos, no dia em que recebe uma proposta de casamento, a adolescente opta por perseguir um coelho branco que atravessa o seu caminho. Por fim, o animal se esconde em uma toca e, curiosa, Alice adentra o buraco atrás do bicho, quando é transportada para um mundo mágico, reinado por rainhas rivais e povoado por amáveis e estranhos habitantes. Esse lugar, a própria garota define como “País das Maravilhas”.

O visual exuberante é o maior destaque da produção. O trabalho de direção de arte na criação do mundo paralelo em que Alice se aventura é excelente. Rico em detalhes e composto por cores pulsantes – ou cores monocromáticas destacáveis, como o reino da Rainha Branca –, os cenários concebidos digitalmente garantem a total imersão do espectador em um universo mágico e encantador, como é de praxe na maioria dos filmes desse diretor. Outro crédito de “Alice no País das Maravilhas” reside na bela criação de personagens feitos pelo computador, como o Gato Risonho ou o Coelho Branco; sem falar no trabalho bem sucedido do departamento de efeitos visuais, cujo maior destaque é representado pelo esforço de “encaixar” a cabeça de atores reais em corpos computadorizados, como é o caso da Rainha Vermelha e de seu fiel escudeiro e amante, Valete.




Entretanto, a virtude do aspecto visual acaba sendo predominante à narrativa, que se revela frágil e limitada. Roteirizado por Linda Woolverton, responsável também pelos roteiros das animações “O Rei Leão”, “Mulan” e “A Bela e a Fera”, a história é prejudicada por não possuir força dramática ou propriamente emoção durante a odisséia da personagem-título, diferente dos trabalhos anteriores da roteirista. Sem se preocupar muito com explicações, o roteiro, com resquícios de infantilidade, acaba adotando uma linearidade convencional, sendo que nem o clímax se salva da frieza que impera durante toda a projeção. Certamente, trata-se de um filme que vai agradar ao público infantil e aos fãs de Tim Burton. Os verdadeiros adoradores do livro de Lewis Carroll ou da animação de 1951, dos estúdios Walt Disney, podem se sentir terrivelmente decepcionados.

Surgindo como um misto de Madonna e Elba Ramalho do cabelo tingido, Johnny Depp se esforça, mas seu Chapeleiro Maluco é basicamente um mix de outros personagens já interpretados pelo ator – a astúcia de Jack Sparrow somada com a insanidade e os trejeitos de Willy Wonka. Isso não representa um demérito, pelo contrário, mas o personagem não é tão interessante ou mesmo engraçado diante da hilária crueldade desfilada pela Rainha Vermelha, interpretada pela atriz Helena Bonham Carter – esposa do diretor. Por um lado, se Anne Hathaway e Crispin Glover pouco tem a oferecer com os aparecimentos restritos de seus personagens na trama, é enfadonho e quase tedioso acompanhar a apatia da semi-estreante Mia Wasikowska. No papel de Alice, a atriz aparece extremamente desinteressante, deslocada e sem sinal de vida, revelando reprovável inexpressão até mesmo nas cenas em que é surpreendida perante situações fantasiosas, que exigem, no mínimo, um “uau”. Porém, nem isso é capaz de fazer.

Aparentemente, “Alice no País das Maravilhas” seria a história ideal para ganhar uma adaptação às telonas pelas mãos do visionário diretor Tim Burton, mas parece que o casamento não rendeu bons frutos. Entregando uma direção até um pouco óbvia e exagerando na utilização da trilha sonora composta por Danny Elfman – parceiro habitual do diretor – “Alice...” é mais um filme pouco destacável e esquecível da filmografia obscura desse diretor.


NOTA: 5,5


ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS (Alice in Wonderland) EUA, 2010
Direção: Tim Burton
Roteiro: Linda Woolverton
Elenco: Mia Wasikowska, Johnny Depp, Helena Bonham Carter, Anne Hathaway e Crispin Glover

13 comentários:

Francisco Brito disse...

Dispenso solenemente ver essa Madonna à passarinho do Johnny Depp,aliás,dispenso as porcarias de Tim Burton,esteta vazio e sem conteúdo.

Mais uma vez,excelente texto,Tom!
o/

Wally disse...

Estou ao mesmo tempo desanimado pelos comentários que ando lendo e curioso por ter sido um filme que desde o início me causou certa expectativa. Não sei o que esperar...

pseudo-autor disse...

Ainda não fui conferir Alice, mas tenho lido muitas críticas negativas ao filme. O gozado é que isso acontece comigo corriqueiramente: filmes que eu crio uma enorme expectativa tendem a me desanimar quando os vejo (foi assim com Avatar e com Piratas do Caribe). Espero que não se repita aqui!

Cultura? O lugar é aqui:
http://culturaexmachina.blogspot.com

Pedro Tavares disse...

Burton parece preso em um mundo e suas dobraduras obviamente presas a roteiros cada vez mais vazios. Deve ser por isso que gosto dos filmes que ele foge dessa obrigação estética, como em "Peixe Grande", por exemplo.

Valeu pela visita, Elton.

Abraço!

Anônimo disse...

E mais uma vez Tim Burton se deixa levar pelo visual e esquece de todo o resto, o que acaba por ser mais uma fita totalmente esquecivel em sua carreira assim como seu ultimo desastre Sweeney Todd!

Reinaldo Glioche disse...

Ainda não vi. Gostei da sua critica e da contextualização que fez. Principalmente chamando atenção para esse imenso apelo que Burton exerce sobre uma fatia considerável dos frequentadores de cinema que não são cinéfilos propriamente ditos.
No geral, tudo muito bem colocado Elton.
ABS

Fernando disse...

A expectativa era grande e parece que a recepção não foi das melhores tanto pelo público brasileiro como o norte-americano... ainda não vi, mas a sensação é que Tim Burton perdeu uma grande oportunidade de fazer um grande filme, pelo menos, há de se reconhecer a coragem de repensar a delirante história de Lewis Carrol e traduzir isto em um filme.

Marcelo Augusto disse...

Vi esse filme hoje, e me senti enganado, por ter visto um filme artisticamente belo, mas a história terrívelmente mal elaborada.Concordo quando você cita que foi um mal casamento, infelizmente. Eu fico com o desenho.

Alyson Santos disse...

Ainda não vi o filme. Mas, baseando nos ultimos filmes fracos do Tim Burton, chega a ser triste dizer que o diretor está entrando na caracterísitica do cinema contemporâneo de se preocupar tanto com a direção de arte e esquecer do roteiro ou de qualquer outro quesito técnico. Triste.

Abraços!

P.S: Tu és de Mga? Já morei ai 3 anos, pra fazer o ensino médio no Drummond e hj moro no MS, mas sempre estou ae. Abraço!

Kamila disse...

Acabei de assistir a este filme e concordo que a parte técnica é o grande destaque da produção. Mas, não achei a obra fraca em conteúdo. Acho que a mensagem central das obras de Lewis Carroll foram bem passadas. O que senti falta mesmo foi de um pouco mais de ousadia. Acho que a história de Alice pedia isso.

Um outro elemento de destaque, pra mim, foi a performance da Helena Bonham Carter. Achei-a sensacional!

Cristiane Costa disse...

Oi Elton,

Pra começar:

Sua resenha está maravilhosa. Mais maravilha do que Alice,rs!

Parabéns! Você cobriu todos os pontos sobre o filme e ainda contextualizou perfeitamente das stars e a estética de alguns diretores.


Eu sou uma das espectadoras que vão ver Tim Burton pela estética e, no quesito direção de ARTE, esse Alice foi bem projetado.

No entanto, roteiro péssimo, emoção nula que desonra a obra literária. A escalação da apagada Mia Wasikowska foi um erro! Resta-nos deleitar-se com a parte criativa do cenário.

Bjs

Elton Telles disse...

Hahaha, Chico! Também não sou grande fã do Tim Burton. Tenho minhas restrições a ele como cineasta, mas nutro admiração por ele pela marca registrada que firmou no cinema atualmente, algo para poucos.


Olá, Wally! Quando anunciaram o filme, no ano passado, eu também fiquei curioso, já que seria perfeito uma adaptação de "Alice..." por Burton, achei uma grande ideia. Mas, infelizmente, faltou ousadia.


Pseudo-ator, boa sorte! =)


Olá, Pedro!
Concordo com sua observação. E "Peixe Grande" é um dos melhores trabalhos de Burton.


Cabaret,omo você apontou, também acho que "Sweeney Todd" é outro filme de Burton que sofre dessa "síndrome estética".


Grande Reinaldo!
Valeu pelo comentário. Burton pode nao ser o maior cineasta do mundo, mas a fatia de espectadores que ele arrasta para o cinema e o público fiel que conquistou nesses anos é admirável.


Dae Fernando! Concordo. Refazer a delirante história de Lewis Carroll para o cinema não é pra qualquer um. Eu acho que em "Alice..." faltou um pouco da veia de Burton, achei um pouco infantilizado e isso comprometeu o filme.


Marcelo, eu também fico com a animação e o livro - ambos infinitamente superiores a esse live action "enganador", em suas palavras rs.


Alyson, realmente é triste. Olhar para trás e ver grandes filmes como "Edward", "Ed Wood", "Beetlejuice"... e saber que Burton pode ser mais do que cores e cenários arrojados é frustrante.


Olá Kamila!
Helena Bonham Carter rouba todas as cenas. Quanto à adaptação, não gostei de terem transformado Alice em uma heroína e tal, achei muito infantil e limitado.


Oi Madame!
Obrigado pelo seu comentário!
Também achei que a frieza comprometeu o filme, infelizmente. No entanto, a direção de arte é um deleite, embora não supra as irregularidades do roteiro, história e da Alice mais sem graça da história =)


ABS!

Unknown disse...

Parece-me que há um ano foi anunciado para ser lançado até 2016! Mas hey, eu posso esperar tanto tempo para ver de novo no palco com Johnny Depp tocando o Chapeleiro Maluco! Eu amo!