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18 de mar. de 2010

É Proibido Fumar


Quando “É Proibido Fumar” tem início, somos apresentados ao apartamento aconchegante de Baby (Pires), uma mulher de meia-idade, solteira e solitária, cuja única companhia efetiva é o seu maço de cigarros vermelhos. Baby é uma fumante inveterada. Um dia, enquanto dá aulas de violão na própria casa, observa pelo olho mágico que o apartamento desocupado ao lado do seu será preenchido. Mais tarde, ela irá conhecer seu novo vizinho, Max (Miklos), por quem a protagonista logo deixa transparecer um interesse amoroso. Para tentar conquistar o novo locatário, Baby se submeterá a sessões constantes em salões de beleza, vai se aventurar na cozinha para agradá-lo e tentará um sacrifício maior: desistir de fumar.


Nas mãos de um diretor medíocre, talvez de Nancy Meyers, eu imaginaria a sinopse acima como uma comédia romântica pastelão e sofisticada, contando com um elenco expressivo e sendo, provavelmente, ambientada no centro de Manhattan, em Nova York. Uma ideia completamente oposta quando o filme é conduzido por alguém que sabe o que contar e a maneira propícia de contar uma história, expondo os altos e baixos da trama sem fazer alardes e não se esforçando para que o riso seja obrigatório, mas algo que flua até mesmo involuntariamente. Delimitada a um pequeno espaço no qual se passa a história de seu segundo filme, a diretora Anna Muylaert demonstra plena habilidade e domínio em cena, transformando “É Proibido Fumar” em um ótimo conto urbano, que transita entre a comédia irônica e o suspense.


Muylaert estreou nos cinemas em 2004 com a excelente comédia bizarra “Durval Discos”. Seu novo filme não chega a ponto de ser bizarro, mas as similaridades com o filme anterior da diretora são visíveis. Ambos apresentam protagonistas que estão estagnados no tempo (rapaz acomodado que ainda mora com a mãe, e Baby é uma solteirona que ainda faz trancinhas no cabelo); tem grande apreço por música (um é dono de uma loja de vinis, enquanto a outra usa camisa do Chico Buarque e ministra aulas de violão); e o cenário é a grande capital paulista. Porém, enquanto em “Durval Discos” acompanhamos todos os desdobramentos que culminam naquele terceiro ato negativamente divertido, Muylaert força a barra neste aqui e, desesperada por um clímax, inclui um assassinato que apenas obstrui o andamento do filme e o leva a um rumo completamente diferente e errôneo, chegando a irritar com a trilha sonora inquietante, digna de um suspense norte-americano de qualidade duvidosa.


Essas reviravoltas mirabolantes, que comprometem até mesmo a atmosfera e o “gênero definido” do filme, exigem muito cuidado na (des)construção da história. Apesar disso, o roteiro é satisfatório ao conceber a personalidade de Baby. A protagonista discute com as irmãs por exigir o sofá de uma tia falecida não por fazer questão da presença do móvel antiquado em sua casa, mas para suprir uma carência afetiva, como uma desculpa para aparecer e tentar se autoafirmar para que não se esqueçam de sua existência, já que Teça e Pop – interpretadas por Daniela Nefussi e Marisa Orth, respectivamente - têm família e são financeiramente estáveis. E ainda, vítima de acusações das próprias irmãs por ser a mais velha e ainda solteira, Baby encontra no cigarro o seu parceiro ideal, já que nenhuma mulher se atrairia por um homem mentiroso e egoísta, como é o personagem do ótimo Paulo Miklos, se não sofresse de carência duplamente crônica, mesmo que implícita.




Capaz de render boas atuações mesmo que seja sabotada por roteiros medíocres em filmes igualmente ruins – como é o caso da adaptação da obra de Eça de Queiroz, “Primo Basílio”, “Se Eu Fosse Você” e o recente “Lula, o Filho do Brasil – Glória Pires incorpora a protagonista com uma veracidade irresistível. Hábil em demonstrar seu talento cômico, e dramático nos momentos mais tensos, Pires divide com a diretora Anna Muylaert os principais méritos do filme.


É até curioso (e inspirador) que o Brasil seja um antro de eficientes cineastas femininas. Dentre as mais conhecidas, estão Carla Camurati, Tatá Amaral, Laís Bodanzky, Daniela Thomas e Muylaert, que já em sua segunda película, revela-se uma diretora com pleno domínio da técnica. Embora os tropeços, ela merece aplausos por permanecer com os pés na realidade e não transformar seus projetos em filmes água com açúcar, como é o caso de Daniel Filho, a nossa “Nancy Meyers tupiniquim”.



NOTA: 7,5



É PROIBIDO FUMAR (Idem) Brasil, 2009

Direção e Roteiro: Anna Muylaert

Elenco: Glória Pires, Paulo Miklos, Daniela Nefussi, Marisa Orth e André Abujamra

6 comentários:

Reinaldo Glioche disse...

Apesar da bela construção da sua critica e do reconhecimento que presta a diretora, sou obrigado a protestar quanto a sua comparação, Elton. Não acho que Nancy Meyers seja a diretora tão formulaica e popularesca que vc afirma. Não vou entar em uma discussão arregimentando sua defesa, pq julgo que não seja propício, ou mesmo produtivo, mas fica o protesto. E para constar: É proibido fumar, em termos de evolução de roteiro, é mais formulaico do que Simplesmente complicado, por exemplo. o mais recente filme de Nancy Meyers.

Grande abs

Jenson J, disse...

Não sou fã do cinema brasileiro, mas irei conferir assim que sair em DVD!

Karen Faccin disse...

Muy bueno!

O filme é muito bem conduzido, flui muito bem.

Glória Pires, que na fotinha acima tá quase uma Cat Power, está suuuper desenvolta, maravilhosa!

Wally disse...

Acabei perdendo este filme quando estava em cartaz. Uma pena, parece ser bom.

Elton Telles disse...

Olá Reinado, valeu pelo seu comentário!
É, acho que comentários em blog não é a melhor maneira de se começar um "debate", mas seria muito legal se trocássemos e-mails expondo nossos diferentes pontos de vista. Tem milhares de diretores piores do que Nancy Meyers, mas acho que ela entra no balaio dos mais medíocres de Hollywood. E o pior: consegue arrastar atores de respeito para os seus filmes, colocando-os em situações que julgo até mesmo humilhantes de tão mesquinhas e desonestas com a realidade. Enfim, escolhi ela porque o plot de "É Proibido Fumar", grosso modo, é sobre uma mulher que, para conquistar um homem, faz grandes esforços. Se Anna Muylaert consegue dosar essa questão batida (Meg Ryan que o diga) em um filme original e inteligente, não duvido que Meyers chamaria astros e estrelas e faria um filme bem classudo, mas com pouca ousadia. E engraçado que nos filmes dela, quando ela quer ser ousada, denuncia ainda mais caretice. Tipo "oi, sou velha, mas sou moderna". Enfim, mas não vi "Simplesmente Complicado" ainda, pretendo. Mas apenas pelos atores involtos - na verdade, só vi os demais filmes de Meyers justamente por esse motivo
=)


Jenson, este é um ótimo exemplar do cinema nacional.


Oi amor, digo, Karen.
Gloria Pires deixando as telenovelas para o lado para exercitar seu talento em boas mãos. O resultado está na tela: excelente!


Wally, é um ótimo filme. Espero que goste.


ABS!

Reinaldo Glioche disse...

Seria ótimo trocar e-mails e dar sequência a debates sobre cinema Elton. Fico feliz por sua disposição.

Sobre Meyers, entendo a razão de sua resistência a ela, mas não compactuo. Não acho que ela seja uma diretora/roteirista desonesta. Acho sim que ela explora muito bem fantasias de uma audiência que não é ouvida a contento na sala de cinema. Não vejo isso como desonestidade. Para estabelecer uma comparação, desonestidade criativa é a de James Cameron em Avatar, que faz um filme com "discurso" ecológico para a FOX do Ruppert Murdoch, republicana e totalmente contra a causa ecológica. Ele queria o quÊ? Posar de ecologicamente correto (ganhando a simpatia da critica), mas fazer tubos de dinheiro . Isso sim, para mim, é desonestidade criativa. Acho que Meyers atrai bons atores para seus projetos justamente por isso. Histórias que giram em uma zona de conforto,mas que sempre trazem, além de entretenimento com inteligência, alguma satisfação egóica. Ah, mas isso faz dela boa? Lógico que a opinião pessoal irá imperar, mas afasta ela um pouco da pecha de diretora ruim. Afinal de contas, ela domina os preceitos de uma narrativa com desenvoltura.

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ABS brother!