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7 de fev. de 2011

O Vencedor


Em uma desses vários cartazes de campanha para as premiações, os chamados FYC (For Your Consideration), que objetiva chamar a atenção de votantes dos mais diversos círculos e associações para que reconheçam a qualidade do filme ou algum trabalho interno da produção, deparei-me com este em que um crítico exalta “O Vencedor” como um mix satisfatório de “Rocky” com “Um Sonho Possível” – e colocaram “Os Infiltrados”, do Scorsese, no balaio sem motivo aparente. A ligação com a história romanceada do pugilista interpretado por Stallone é óbvia, já que “O Vencedor” também é ambientado em um bairro de classe trabalhadora e seu protagonista é um boxeador que luta (literalmente) pelo reconhecimento de sua carreira. O que fez grande parte dos cinéfilos torcerem o nariz foi a menção ao filme de Sandra Bullock, que transformou uma bela história real de perseverança em uma enxurrada de clichés acovardados, comprovando ser uma legítima armadilha sentimental. Entretanto, para manter o equilíbrio, a interessante equipe de envolvidos na criação artística de “O Vencedor” assinalava um motivo suficiente para dar chances ao drama. O resultado final não foge do esperado: um trabalho bem realizado, com os alicerces fortificados em aspectos convencionais e estereotipados dos “filmes de superação”, uma distinção que parece, a cada ano, se consolidar como um gênero. No mais, se reproduz chavões aqui e acolá, por outro lado, o filme se torna compensatório e cativante pelos esforços do diretor e por um elenco impecável.

Roteirizado a oito mãos, “O Vencedor” se baseia na história real do revestidor de calçadas Micky Ward (Wahlberg), que nas horas de descanso, veste suas luvas e sobe ao ringue para ser treinado pelo irmão, Dicky Ward (Bale), um antigo boxeador que já vivenciou seus dias de glória, mas hoje se encontra rendido pelas drogas. Em uma de suas disputas agendadas, de última hora seu oponente fica gripado e incapaz de lutar, mas Micky é convencido pelo irmão treinador e pela mãe empresária, Alice (Leo), de que ele não pode desistir à essa altura. Humilhado em cima do ringue por um adversário mais forte e com peso superior ao seu, o rapaz encontra confiança nos braços da namorada Charlene (Adams), que não demora muito para perceber os abusos da família do rapaz, pois o usa como estepe para faturar uns trocados. Surge uma relação conflituosa em que Micky se vê profundamente dividido entre a tradição familiar que sempre o ajudou – apesar dos interesses – e a escolha de alavancar sua carreira com o auxílio de profissionais do ramo, tese defendida pela mulher que ama.

Como se percebe pela sinopse descrita, “O Vencedor” não é um filme sobre boxe, mas utiliza o universo desse esporte para assentar sua história sobre companheirismo, persistência e desintegração familiar. A trama é conhecida, batida de muitos outros exemplares, mas as qualidades que diferenciam esse trabalho dos demais é o desempenho dos envolvidos e a maneira humanista e apaixonada de como o enredo é desenvolvido, sendo muito desses ganhos decorrentes da ótima condução do diretor David O. Russell. Vivendo sempre à margem de Hollywood, apesar dos bons filmes que preenchem seu currículo – entre eles, “Três Reis” e “Huckabees – A Vida é uma Comédia” –, até agora, este é o ápice de sua carreira. Alguns vão acusar O. Russell de trair sua pessoalidade com um drama tão banal, mas mesmo com um material gasto, a mão do diretor é determinante para o sucesso do filme, que não desvia todos os clichés, mas, ao menos, sua abordagem quase documental contorna e dá fôlego para boa parte deles.

Da mesma forma, o elenco em perfeita sintonia garante mais emoção e autenticidade a “O Vencedor”, suplantando a ideia de que até mesmo os estereótipos dos gêneros, se bem trabalhados, podem dar bom acabamento para uma história. E voilá! Absolutamente todos os personagens do filme são caricaturas, mas as representações dessas figuras ganham complexidade e se revelam atraentes devido aos trabalhos admiráveis dos atores. Mais uma vez se submetendo a transformações físicas para compor um personagem – vide “O Operário” e “O Sobrevivente” –, desta vez, Christian Bale emagreceu vários quilos e ficou semi-calvo para interpretar Dicky, um homem na casa dos 40 anos, que se vangloria por ter nocauteado o mito do boxe Sugar Ray Leonard – que faz uma pequena aparição no filme. Mas por trás de toda noção de estrelismo, esconde um irmão carente e atencioso, que ainda que se demonstre relapso e irresponsável com os treinos, ama Micky incondicionalmente. E nessa variante de hiperatividade, ternura e um pouco de agressividade, Bale se mostra como o verdadeiro protagonista do filme, dominando todas as cenas em que aparece e roubando todas as atenções pra si. Sua atuação irrepreensível encontra a parceria perfeita com a interesseira Alice, vivida com total entrega pela excelente Melissa Leo.



Amy Adams encontra em sua Charlene a oportunidade de se desfazer da imagem que a definiu da garota bonitinha, certinha e apaixonante – vide “Retratos de Família” e “Encantada”, interpretando uma jovem determinada que não leva desaforo para casa, nem que seja para resolver seus problemas na porrada. E Mark Wahlberg, também assumindo o posto de produtor do filme – assim como Darren Aronofsky, um dos produtores executivos da fita –, com seu personagem sensível, mas pouco exigente em questões de dramaticidade, assume total importância na trama por, além de ser o principal fator que move a história, também funciona como o elo catalisador que liga todos os demais personagens.

Enfraquecido pelas cenas de boxes pouco empolgantes e ainda por forçar a barra em algumas cenas, como a permanência de Dicky na prisão, que lhe dá o direito de assistir a um documentário na TV a cabo e a acompanhar a luta do irmão por telefone com a mãe – depois reclamam do sistema carcerário do Brasil... –, o filme é bem recriado pelo trabalho de figurino assinado por Mark Bridges e pelo visual cru, setentista, apesar de o filme se passar em 1993. Nomeado a 7 indicações ao Oscar, “O Vencedor” não é uma embriaguez de originalidade, nem nada, mas o lugar-comum do filme é muito bem executado a ponto de fazer o espectador acreditar que tudo é novidade.


NOTA: 7,0


O VENCEDOR (The Fighter) EUA, 2010
Direção: David O. Russell
Roteiro: Scott Silver, Paul Tamasy, Eric Johnson e Keith Dorrington
Elenco: Mark Wahlberg, Christian Bale, Amy Adams, Melissa Leo e Jack McGee

13 comentários:

Victor disse...

Não sei se tenho mais saco pra esse tipo de filme. O esporte como metáfora para a superação na vida e blablabla. Pra mim, já aparenta mais do mesmo.
Mas verei de qualquer jeito. hehe

O Neto do Herculano disse...

É um típico filme americano de superação, e ainda por cima com boxe, mas vale a pena conferir Christian Bale, que não deixa Mark Wahlberg estragar a pelicula.

Reinaldo Glioche disse...

Boa crítica Elton. Como de hábito. Gostei bastante do filme. Um filme honesto e temperado pelo melhor em termos de elenco, direção, figurino (como vc bem destacou) e outras coisitas mais...

Aquele abraço!

Mayara Bastos disse...

Concordo plenamente! Esperava ter a mesma identificação de um "Menina de Ouro", por exemplo, mas não teve algo emocional em mim. Um bom filme que vale pelo elenco, em especial Christian Bale. ;)

cleber eldridge disse...

Adicionar personagens um tanto "irritantes" a uma formula totalmente repetida, não funciona. O ótima direção de O. Russell é só o que o filme tem de bom, mas no final das contas, quem assiste encontrará aquilo que se espera de um filme que tem o esporte como fio condutor da narrativa: superação, emoção, conflito, drama. O resultado pode frustrar os que gostariam de ver um elemento novo num terreno já demais explorado. É um filme "repetido".

Rodrigo Mendes disse...

Só ouço elogios exacerbados deste filme. A sua crítica pegou num ponto muito mais lógico e interessante. O Russell tem seus méritos por ter realizado Três Reis, mas se tornou preguiçoso com sua filmografia.

O Vencedor, obviamente tem méritos acima do esperado após a obra de 1999.

Abs.

Rodrigo

Cristiano Contreiras disse...

O melhor texto que li sobre o filme, até agora. Concordo com tudo.

Acho o filme satisfatório, mais pelas densas atuações, principalmente de Bale que é a pérola do filme, convenhamos. Melissa Leo está excelente, mas não desmereço Amy Adams e, sinceramente, qualquer uma das duas que vencer no Oscar será justo, não?

Só pela cena do “I started a joke”, entendemos o porquê de Bale e Leo levarem todos os prêmios, até agora.

Só me incomodou um pouco o tom cômico e esteriotipado das irmãs de Bale e Wahlberg no filme. Ficou muito "familia dó ré mi trash".

Abraço!

ANTONIO NAHUD disse...

Um filme bem mediano, e olha que gosto muito de filmes em torno do universo dos lutadores de boxe.
Abraços

www.ofalcaomaltes.blogspot.com

pseudo-autor disse...

Um filme de atuações fortes, mas não brilhante. Gostei do resultado, mas ainda espero mais do diretor David O. Russell. Vale pela Melissa Leo e pelo Christian Bale 9que, há anos, vem mostrando ser um ator bárbaro).

Cultura na web:
http://culturaexmachina.blogspot.com

Gui Barreto disse...

Muito boa sua análise Elton...adorei..acho que você conseguiu captar aquilo que o filme causa nos espectadores...um misto de insatisfação pela enxurrada de clichês e apreço pelo trabalho executado pelo diretor e elenco...é aquele tipo de filme que te deixa feliz ao final da sessão, mas definitivamente não te causa impacto a ponto de torcer para que seja o vencedor de Melhor Filme...

Abrs

Alyson Santos disse...

Discordo de quem disse que a unica coisa boa do filme é a direção, mediante a algumas cenas bem ruins em cima do ring e um climax bem regular. Se disesse que era o elenco, concordaria plenamente.

E Sinto cheiro que tu também se surpreendeu com o filme, assim como eu. Esperava mais um filme de um boxeador, mas o filme felizmente parte para outros caminhos.

Concordo com tudo o que disse. Ja tinha lido o texto, mas ainda não tinha assistido e agora visto, escrito e postado posso dizer isso.

Fiquei contente por também ter reparado que o destino de Dicky é bem mau trabalhado. Simplesmente largou as drogas, depois de ir preso? Enfim, também não acho empolgante as lutas e quando me refiro ao climax, logo a cima, estou falando em relação a ultima.

Bom que, a vaga de filminho-patriota-utópico foi melhor representada, desta vez.

Abraço, Elton!

Elton Telles disse...

VICTOR: te compreendo perfeitamente, meu caro. Essa do esporte como pano de fundo para subir na vida realmente está se esgotando, mas "O Vencedor" é bom, sim. Não é ofensivo, é um drama até bacana.


POEMA: sim. Apesar de ser um bom filme, não deixa de ser um enlatado norte-americano. Christian Bale está msm muito bem, mas tbm não reclamo de Mark Wahlberg. Sua passividade é mais por conta do personagem do que de sua atuação.


Valeu, REINALDO! Sim, é um filme que nada nos clichés, mas não se deixa afundar neles =)
É tudo bem balanceado e talz, como tu bem citou.


MAYARA: tbm prefiro "Menina de Ouro" e o apelo emocional é mesmo mais presente no filme de Clint - que, cada vez mais, descamba ao melodrama rs, enfim. Mas, como tu bem apontou, o elenco é o diferencial. Além de Bale, add Melissa Leo na mistura. Adoro sua atuação.


CLEBER: hei de concordar com vc de que "O Vencedor" é um filme repetido e pode vir a decepcionar alguns que esperam algo diferente - e dá para esperar algo diferente à essa altura? -, mas isso nao rebaixa as qualidades inegáveis do longa. Pensei que iria desgostar, mas achei bem satisfatório.


Grande RODRIGO, valeu, cara! Pensava que o pessoal estava sendo mais comedido, até porque o filme é bom, mas não tanto para ser tão elogiado por aí. Talvez estavam carentes de um bom drama, sei lá hehe.


CRIS: cara, fico muito feliz em ler isso, ainda mais de vc que domina a blogosfera como ninguém hahahaha, conhece até o subsolo dos blogs de cinema. Muito obrigado, cara! Não reclamo se Amy Adams ganhar o Oscar, mas torço incondicionalmente para Melissa Leo, que destrói ali. A cena do "I started a Joke" realmente é bela e entendo seu incômodo com as irmãs dos protagonistas hehe.


ANTONIO N. JR.: concordo!


PSEUDO-AUTOR: gosto muito de Bale também e isso não é de hoje. Um grande ator, que muitos fazem questão de esconde-lo sobre os mantos do Batman, mas ele é muito mais que isso. O que é "Psicopata Americano"? Enfim... também esperava mais de O. Russell, mas pelo material que ele tinha em mãos, devo reconhcer q ele operou um milagre.


Perfeito, GUI. Você definitivamente captou o que pretendia com essa crítica de "O Vencedor". Parabéns e muito obrigado! =)


ALYSON: não diria "Cenas ruins" de boxe, mas realmente tem algumas bem pouco empolgantes. Hehe, me surpreendi positivamente, pois não esperava nada de um filme com essa premissa, ainda mais com um ator tão fraco no papel principal - mas depois vemos que Wahlberg só está ali para os demais ao seu redor brilharem hehe.

E vc não poderia ser mais feliz nessa colocação, Alyson: "Bom que, a vaga de filminho-patriota-utópico foi melhor representada, desta vez",

hahahaha!!


ABRAÇOS A TODOS!!!

Raisa Marcondes disse...

Eu concordo com vc em boa parte da crítica, mas devo dizer (e já disse no meu blog), que acho SIM que o personagem de Michy Ward tinha boa carga dramática, mas ela, mais uma vez, não foi bem representada pelo bom ator Mark W.


That being said... Assino embaixo com tudo que vc disse, e considero o filme um dos melhores do Oscar 2011. UM dos melhores, mas logicamente não tão bom assim. Abraços!