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10 de mar. de 2010

Julie e Julia


Eu jamais imaginei que um dia iria comparar um filme dirigido por Nora Ephron com o excelente drama “As Horas”. Calma, não se enganem, “Julie & Julia” não é nem metade do que o filme dirigido por Stephen Daldry o é, mas as semelhanças entre os dois longas são inevitáveis. Além de ambos proporcionarem magníficas atuações de Meryl Streep – que discutirei mais adiante – e trabalhos notáveis da famosa figurinista Ann Roth, a história se passa em épocas diferentes no momento em que personagens reais estão desenvolvendo um livro, que, (in)diretamente, afetará a vida de outras mulheres, cada uma em sua geração. Se no filme de 2003, a escritora Virginia Woolf (interpretada por Nicole Kidman) se encontra redigindo a clássica obra “Mrs. Dalloway”, que passa a influenciar as escolhas e os desejos das demais personagens de “As Horas”; no filme de Nora Ephron, ambientado na França de 1949, a chef Julia Child (Streep) decide escrever um livro de receitas, que acaba sendo utilizado, quase 50 anos depois, pela jovem frustrada Julie Powell (Adams) para tentar lhe dar algum sabor à própria vida. A garota pretende fazer as 524 receitas presentes no livro no período de 1 ano, e passa a dividir suas aventuras na cozinha com os internautas por meio de um blog. É uma pena, porém, que as similaridades entre “Julie & Julia” e “As Horas” se restrinjam apenas a esses detalhes da trama, já que a comédia de Ephron se torna uma experiência chatinha, pois se excede em dois ingredientes comuns na filmografia dessa diretora: a água e o açúcar.

O roteiro, também escrito por Ephron, baseado em dois livros - “Julie & Julia” e “My Life in France”, escritos pelas verdadeiras Powell e Child, respectivamente – se revela eficiente em alguns momentos, quando, por exemplo, utiliza alguns recursos verídicos para contar a história, como as cartas que Child enviava para a amiga dos Estados Unidos ou até mesmo o blog mantido por Julie. Esta opção demonstra pesquisa e dedicação por parte da diretora e roteirista na concepção da história e se mostra importante até mesmo para traçar a personalidade das protagonistas. E também é interessante notar as semelhanças entre a vida das duas mulheres: ambas eram funcionárias do governo; gostam de cozinhar; mudaram-se para lugares diferentes (França e o bairro Queens, em Nova York) a fim de apoiar a carreira de seus respectivos parceiros, que sempre dão o apoio necessário a elas quando decidem enfrentar um novo desafio.

No entanto, o script falha gravemente no rumo das duas histórias. Além da avalanche de clichés intermináveis, a inclusão da irmã de Julia Child (vivida pela comediante Jane Lynch) na trama, embora resulte em um dos momentos mais divertidos do filme, sua inserção na história é completamente descartável. E devo mencionar o discurso bobo e retratado com superficialidade pelo roteiro referente à perseguição aos comunistas, proposto pelo senador norte-americano Joseph McCarthy. Esses empecilhos impedem que a história de Child seja mais explorada. Apesar de ser a parte que possui mais defeitos, é até paradoxal dizer que é a história mais divertida de se acompanhar, graças à atuação impecável de Meryl Streep. Revelando um excelente timing cômico, aqui, a atriz faz uma composição de personagem impressionante: a voz, o sotaque, a maneira desengonçada de andar, a postura, os gestuais. Tudo bem fiel à própria Julia Child – basta ver alguns trechos no YouTube pra comprovar.




Já a história mais recente, protagonizada por Amy Adams e Chris Messina, é onde residem as principais fragilidades do roteiro, não na questão de erros, mas por perder o brilho com o decorrer do filme. Em certa altura do filme, para criar algum conflito na trama, Ephron força uma briguinha estúpida entre o casal só para, cenas mais tarde, fazerem as pazes e selarem o amor eterno que sentem um pelo outro. E embora Amy Adams seja uma graça, é um tanto quanto irritante vê-la conversando com a televisão, pois ela não convence com essa paixonite e entusiasmo que diz sentir pela cozinheira famosa durante todo o filme. Se não fosse o bastante, “Julie & Julia” ainda carece de fluidez e ritmo, já que as passagens entre as histórias não são muito elaboradas, e a preocupação cronológica de Ephron não ajuda nesse sentido, já que não temos nenhum indicativo sobre a passagem do tempo – corte de cabelo diferente, maquiagem... nada.

Embora seja repleto de defeitos bobos, o filme acaba sendo uma sessão agradável. Se alguns filmes anteriores de Ephron como “Sintonia do Amor” e “Mensagem para Você” eram filmes com pouca relevância, feitos unicamente para o casal Tom Hanks e Meg Ryan demonstrarem sua habilidade na comédia, o mesmo se aplica a este “Julie & Julia”, que comprova ainda mais o talento e a versatilidade dessa camaleoa chamada Meryl Streep.


NOTA: 6,0


JULIE E JULIA (Idem) EUA, 2009
Direção e Roteiro: Nora Ephron
Elenco: Meryl Streep, Amy Adams, Stanley Tucci, Chris Messina, Jane Lynch

14 comentários:

Francisco Brito disse...

Ainda não vi esse filme,mas sei que uma grande atriz como Streep é capaz de produzir milagres msm sob uma direção frouxa.

Parabéns pelo texto,Tom...welcome back!

Maurício Cunha disse...

Quero muito ver a atuação de Streep.

Kamila disse...

Este é aquele filme leve e descompromissado, mas que carrega uma linda mensagem. Amei a obra, especialmente, as performances de Amy Adams e Meryl Streep, que possui uma química excelente com Stanley Tucci.

Jenson J, disse...

Um filme discutivel, que é um filme diriamos "agradavel", e que vale apenas como passa tempo, mas, é indiscutivelmente mais uma ótima atuação de Streep, Amy Adams também muito boa!

Cristiano Contreiras disse...

Também não vi, mas confesso que o trailer nem me cativou. Mas, fortalece mesmo pelo talento da "monstra sagrada" Streep.

Abraço

Elton Telles disse...

Ae Francisco, valeu! Sim, e já vimos outros exemplos de direção fraca e que Streep destrói, como "O Diabo Veste Prada" ou "O Rio Selvagem". Até mesmo em "Dúvida", eu achei que o trabalho de direção não acompanha a composição perfeita dos atores - Streep entre eles.


Dae Mau! Streep é o grande chamativo de "Julie & Julia". O filme é chatinho, mas vale por ela.


Olá, Kamila.
Streep e Tucci realmente estão em ótima sintonia. E Amy Adams é adorável, mesmo que interpretando uma personagem que fica meio aborrecida com o passar do filme.


Jenson, [2]


Cristiano, eu acho que "Julie & Julia" entra para a lista do "trailer melhor que o filme". Se tu não gostou do trailer, aí complica rs.


ABS!

Paulo Soares disse...

Confesso que achei gostei de Julie e Julia. Tipo, foi aquela comédia tão gostosa de assitir; Assisti num fim de sábado a tarde, já cansado da semana, e o filme me deixou bem mais leve..rs

Não teria o criticar. Todos os pontos me satisfizeram dentro da proposta.

E Meryl é sublime! Não tem o que não saiba fazer.
Por isso que é Deusa eterna.

Abs!

Francisco Brito disse...

Meryl Streep já fez bosta,sim...
"Ela É O Diabo" que o diga...

Karen Faccin disse...

Ton texte est magnifique!

O filme é uma gracinha, só isso.
Ótima pedida pra assistir comendo doritos com molho :p

Reinaldo Glioche disse...

Interessante a relação que vc estabeleceu com As horas como ponto de partida Elton. Sua critica foi muito bem construída e perspicaz. Julie & Julia é um filme agradável. E isso é um senhor elogio. Por causa de Meryl streep e do fascínio que ela exerce, pensaram demais do filme. Sua critica recupera o verdadeiro status do filme.
ABS

bruno knott disse...

tb não sou lá muito fã do filme em si, mas a atuação da Meryl Streep é digna de nota.

a mulher é foda.

Mayara Bastos disse...

Gostei muito do livro. E o filme parece ser uma delícia, com tanta comida... rsrs. Já está me dando fome agora. rsrsrsrs.

Beijos! ;)

Santiago. disse...

Que mulher é essa? Cada vez mais Streep se consolida como a grande estrela de Hollywood. Em qualquer lugar que ela vá, é venerada. No Oscar mesmo, é um ícone, como é bom vê-la naquela primeira fila.

E desde "A escolha de Sofia" sabemos do seu esmero em produzir seus personagens. Dedicação total. É fato que o oxigênio, elemento vital do filme, é sua atuação. Vida longa a ela!

Abraço!

Elton Telles disse...

Paulo, para um sábado à tarde chuvoso seria melhorzinho mesmo, mas para uma grande première, seria decepcionante, não? rs

Francisco, nenhum profissional do cinema está imune ao erro, como já vi vc mesmo citando ;)

Obrigado, amor. Digo, Karen xD

Valeu pelo comentário, Reinaldo!

Bruno [2]

Mayara, eu não tive a oportunidade de ler o livro em que o filme foi baseado. Mas quer um filme melhor que também trabalha com culinária, eu recomendo "A Festa de Babette". Mas não assista com fome rs, seria autotortura.

Ae Santiago, sempre! Streep é uma atriz sensacional


ABS!